sábado, 7 de agosto de 2021

TEMPOS DE ILUSÕES

 

Enfeite num alicerce (Arquivo JRS)

       Ontem, em prosa com a amiga Carol, afirmei que os laços comunitários não interessam ao atual sistema econômico que temos, onde só uma ínfima parcela da população se apodera de tudo e empurra todo o resto para a miséria. Assim, faz funcionar essa máquina; é parte das engrenagens uma religiosidade alienante e uma ideologia consumista e a determinação de se dar bem a qualquer custo. Daí a vergonha, de partes da nossa gente, pobres como nós, pelos traços culturais que estão na grande teia do sistema comunitário. Essas pessoas passam a vida no limbo: renegam a comunidade, mas nunca serão ricos (apesar da vida abraçada ao pensamento da minoria absolutamente espoliadora). Viverão alienados, sem se perceberem como parte responsável dessa máquina massacrante; serão apenas úteis à manutenção do modelo de sociedade que aí está, passarão longe de um "novo céu e uma nova terra", conforme cantou o amigo Zé Vicente.

      A quem interessa um mundo desigual? Somente a quem lucra com as desigualdades! Disto decorre o interesse em normalizar tantos absurdos (jogar comida fora em vez de repartir, deixar gente sem terra, sem casa e tantos absurdos  mais) e em formar continuamente mentalidades que prossigam assim, nessa ideologia funesta. Qualquer modelo que não prossiga nesse rumo será enfrentado. ("Sabe aquele país onde os pobres estudam e têm saúde? Pois é! Lá é um inferno!", "Onde já se viu pobre querer viajar de avião?", "Como pode as mulheres quererem ter importância em outros assuntos que não sejam os de cuidar de casas e dos filhos?", "Quem disse que esses índios precisam de terras demarcadas?"...). Ah! Essa ideologia não deve permitir que se pense, diante de quadros medonhos, coisas destas: "O que me diz deste país onde tanta gente vive agora a esmolar, se abrigam pelos beirais das casas apenas ocupadas no verão, na temporada de férias, ou se arranjam com materiais descartados de qualquer maneira pelas calçadas e matos, construindo insalubres abrigos debaixo de árvores? E esses jovens com seus talentos suplicando moedas nos cruzamentos onde carros param por ínfimo tempo?".


        "Quem olha de cima da ribanceira não sente o inferno que é debaixo dela", vivia repetindo o Velho  Dito Graça. Até que um dia o Velho Nicolau assim o rebateu: "Mas essa gente acredita no céu e o deseja!". E o Velho Targino, já vendo os rumos contrários ao ideal comunitário, participou da conversa antes de oferecer a pinga ao santo: "Já não existe mais a casa em que nasci". Era um fim de tarde, no bar em que eu trabalhava, adolescente ainda. Há tempo morreu essa gente toda. 


     Eu comungo com a amiga Carol. Ela está certa em se manter firme na convicção de que "as pessoas precisam ter orgulho de suas origens, autodeclarar suas identidades, reconhecer suas origens e ancestralidade". E, sem dúvida, "a escola é o espaço estratégico para criar esse vínculo com a cultura". Assim, hoje aquele menino de outros tempos responderia ao Velho Targino: "A casa não existe mais, mas seu alicerce está lá, pronto a receber outras paredes e garantir nossas vidas". No meu caso, trata-se do alicerce da escola. Ela me firmou, abriu horizontes ao me ensinar a ler,  escrever e a festejar conforme a nossa tradição caiçara. Sem dúvida que a escola faz parte do alicerce que enfeita a minha vida!

       É isso, cara amiga!  O que mais pode nos caber na alma, ser digna dela, senão a vontade de um mundo mais justo? E, com certeza, "os poderosos jamais deterão a chegada da primavera". Forte abraço.

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