Prosa de caiçaras Arquivo JRS) |
No texto anterior - O conhecimento da ervas salvava - fiz questão de transcrever um fragmento da obra do doutor Esteves da Silva, médico que também deu importante contribuição à educação escolar local, além de brilhante carreira política em Ubatuba no final do século XIX e começo do XX. Foi vereador e alcançou o cargo de deputado provincial de São Paulo. O presente texto é apenas aprofundamento de pontos explícitos no trabalho do médico, de alguém deslocado da capital federal - RJ - para exercer a profissão numa cidade pequena. O empreendimento científico, como era de se esperar, não daria a devida importância ao fazer e ao ser caiçara, aos mais pobres e seus modos de pensar.
Está bem claro, faz parte das convicções do doutor Esteves ao menos alguns pontos: 1º - Aqueles caiçaras, que não eram moradores do centro da cidade, tinham uma simplicidade de costumes, viviam na ignorância - longe do conhecimento científico, da ideologia afinada com o pensamento da elite ou de quem se identificava com ela - e não alimentavam a onda consumista que estava em expansão. 2º - O município, após passar por crises econômicas e golpes certeiros decorrentes da logística regional, esmorece, entra em decadência. É preciso lembrar aqui que a ligação ferroviária com o planalto foi suspensa no tempo em que o doutor atuava como vereador, época na qual ainda ainda nem aparecia no horizonte o turismo como esperança desenvolvimentista. 3º - Certamente que quem mais sentia a crise econômica era a elite local, os comerciantes, pois os pobres caiçaras não se interessavam por nada que afetasse seus planos futuros. Que planos têm os pobres? Na verdade, como sempre, o que angustia os mais necessitados é o presente, a necessidade de se alimentar, de se vestir e de se proteger sob um teto. "Por que devo me importar com os lucros de alguns, esperar deles as migalhas que caem de suas mesas?", repetia de vez em quando o estimado primo Chico Lopes.
Decorre disso tudo o meu povo caiçara ser classificado de indolente?
Será dicionarizado como indolente!
Porém, é essa maioria, pobres, que sustentou a vida neste chão do litoral norte paulista. Eram os pobres que produziam farinha de mandioca e banana, que pescavam e caçavam; abasteciam, inclusive, o centro da cidade. Observação: o meu saudoso avô Armiro, até o final da década de 1970, se deslocava com sacos de farinha de mandioca desde a praia da Fortaleza, distante quase trinta quilômetros, para vendê-los na cidade, aos habitantes urbanos.
Enfim, é essa maioria, descrita como indolente e ignorante pelo doutor, que preservará as bases da nossa cultura caiçara. Desses nossos "pais indolentes" nós herdamos o leque de conhecimentos provindos dos indígenas, dos negros escravizados na África e dos lusitanos marginalizados na pátria deles e forçados a ocuparem, de fato, este território que é o Brasil. Foi essa herança cultural, preservada por aqueles que não detinham o poder econômico e político, que nos permite, hoje, viver e ensinar essa cultura popular, essa forma de resistência. Como desmerecer tudo aquilo que foi a nossa salvação, a preservação do nosso ser e das riquezas naturais que ainda nos saciam e estão a atrair e deleitar tanta gente?
Pobres e simples, pescadores e agricultores, mas com momentos inexplicáveis que parecem ser tirados de um livro de fantasia: a luz do Oliveira, outra luz q perseguiu o Ângelo (anjinho), tia aninha que curava, milagre obtido por vovó, etc...
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