Camburi - Rede embarcada - Arquivo Santiago |
Que o espírito de luta do Seo Genésio não se arrefeça entre os caiçaras e os mais humildes deste nosso chão.
Parece que foi ontem, mas já faz mais de vinte anos que o Seo Genésio, liderança da comunidade do Camburi, em Ubatuba, dava um depoimento a ser publicado sob título de Os caiçaras contam. Eram dias terríveis, com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente sendo severa com os moradores do Parque Estadual da Picinguaba, impedindo-os de fazer roças conforme costume de séculos, não deixando cortar madeiras e de coletar frutos mato adentro. Qualquer coisa que se fizesse como sempre fizeram, lá vinha o policiamento, as intimações, os medos impostos aos caiçaras. Quantas vezes esse saudoso homem foi participar de reuniões, de encontros, onde, com fala mansa e um olhar sincero, denunciava os abusos contra as comunidades?! Hoje, vendo pontos de fumaça rompendo os espaços verdejantes, constatando ocupações pelas morros da Mata Atlântica desde o bairro onde moro, me pergunto: O que deve ser feito? Qual a melhor solução? Cadê aquele pessoal que infernizava os caiçaras nas diversas comunidades? Essa situação - "de deixar passar a boiada" - será reflexo do mau-caratismo e da ignorância que o líder máximo deste Brasil e seus seguidores tanto se orgulham?
Hoje é difícil até de ver um galo cantar. Naquele tempo, era a maior alegria dos galos quando batia a madrugada, quando estava amanhecendo o dia. Agora é mais fácil um cego achar um vintém do que encontrar por aqui criações de porcos ou galinhas. Caiçara nasceu com esse direito de plantar, de fazer sua casa com árvores da floresta, de ter uma criação de animais, mas agora esses direitos lhe foram tomados. Agora, eu pergunto aos moços e moças que estão aqui me ouvindo: Que Brasil é esse em que estamos vivendo?
Aqui já foi um lugar de grande fartura para a pesca também. Eram milhares de quilos de peixe à disposição do caiçara. Se não queria ir para o mar, era só chegar no rio da Barra e pegar qualquer espécie de peixe. Hoje, se os moços e moças forem até o rio, não conseguem sequer molhar os calcanhares, pois secou. Nossos avós trabalhavam seis meses no mar e seis meses na lavoura. Quando era o tempo certo, o mar dava os peixes; noutro tempo, tinha-se a terra para trabalhar. Agora não tem mais nada disso. Às vezes, me chega água aos olhos de ver tanta amarração.
Os moços e moças que estão aqui me ouvindo podem não saber, mas antes tínhamos também grande fartura de bichos do mato, como as queixadas e pacas. Mas houve a grande explosão de pedras para fazer a Rio-Santos e todos os bichos fugiram assustados, para bem longe. Essas explosões abalaram o equilíbrio da floresta. E com a Rio-Santos o progresso chegou de vez. Ants, não tinha estrada de rodagem. Vivíamos sem condução. A pessoa viajava o dia todo para chegar ao centro de Ubatuba. Ia a pé. Descia e subia morro, passando por todas as praias.
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