Mestre Neco ladeado por Pedro e Estevan, meu querido filho (Arquivo JRS) |
"Você pode saber o que disse, mas nunca o que o outro escutou" (LACAN).
Com esta frase, selecionada pelo primo Marcos Prado, iniciei o dia de hoje. Sigo deixando as minhas impressões do meu entorno, das pessoas que convivem comigo, do meu povo caiçara e do mundão por aí afora. Vou aprendendo a registrar as minhas percepções, os meus sentimentos, a história.
Acabamos de ser contemplados pela produção de um documentário em torno do Mestre Neco dando uma aula sobre canoa caiçara. Que alegria! Desde já agradeço à sua companheira Péola por estar junto desse nosso querido mestre caiçara.
Para quem não sabe, me valendo de um trecho do mano Mingo por ocasião da abertura dos trabalhos que resultaram no documento Quilombos - a hora e a vez dos sobreviventes, de 2001, um pouco de história do território caiçara:
"Brevemente, farei um relato sobre as transformações que ocorreram em nossa região nas últimas décadas. Até os anos 60, Ubatuba tinha uma economia voltada para a agricultura de subsistência e pesca artesanal. Era um mundo bem diferente. O espaço geográfico era todo ocupado, era dominado pelos caiçaras. Os melhores lugares - nas melhores praias - eram dos caiçaras. Ocupavam a orla com seus ranchos, canoas e casas; ocupavam o pé da serra com suas roças, expandindo as fronteiras deste espaço.
A partir da década de 70, com a construção da Estrada Rio-Santos, chegam os turistas [em nova e maior leva!] e com eles a especulação imobiliária. Os caiçaras são presas fáceis dos especuladores, trocando seus espaços tradicionais muitas vezes por "nada". O espaço,produção social, apresentará outra feição - a paisagem será outra, os caiçaras perdem o domínio dos espaços privilegiados nas principais praias. Os donos serão os veranistas, os empresários da hotelaria, de restaurantes e de imobiliárias. Da mesma forma perdem-se os conhecimentos relacionados com as atividades agrícolas. Perdem-se os conhecimentos herdados dos indígenas: palavras tupi-guaranis, artesanato de cestaria, fiação de fibra de tucum e de outras plantas, uso medicinal da flora etc. Devido à mudança na base econômica, que tirou-lhes a terra da roça e fechou-lhes o acesso ao mar, o caiçara terá de buscar a sua sobrevivência em outras atividades econômicas. Os seus conhecimentos antigos são inúteis no novo sistema econômico. Os antigos pescadores, roceiros e artesãos exercem agora as profissões de zeladores, caseiros, jardineiros e outras atividades na construção civil, hotéis e restaurantes".
Mas o que tem a ver o escrito do mano Mingo com o começo da prosa? Tudo! Mestre Neco é parte importante, vital, das nossas raízes caiçaras. A sua sabedoria está em harmonia com a Mata Atlântica. Canoas e remos, saberes vitais à atividade pesqueira artesanal, que está longe de representar um perigo ao mar, precisam ser ensinados desta forma: escolhendo madeiras de preferência tombadas, que cumpriram um ciclo, usar ferramentas que menores impactos causam ao meio ambiente; deixando os cavacos de paus sendo transformados pelos milhares de seres que se constituem na nossa interdependência natural que nos fez caiçaras.
Mestre Neco faz parte da denominação Nossas Mães e Pais Caiçaras que mostram nossas outras razões culturais provenientes de séculos de interação com a mata, o chão e as águas que nos garantiram vidas. Agora, dou-lhe paz para que decida o nome da canoa que ainda está sendo apurada. Eu voto na Ana Maria. (Este também é o nome da minha mana). Grande abraço, Mestre Neco! Grande abraço, comunidade caiçara!
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Ana Maria é um nome bonito! Voto nele também.
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