segunda-feira, 13 de maio de 2024

O AVÔ DO MARX

 




Marx Aparecido - Arquivo Marcos


   Foi-se o Dia das Mães. Digo sempre: mais importante que o presente é a presença. Por isso sempre estou recordando da minha saudosa mãe. Tendo me encontrado com a Jandira, uma antiga amiga dela, a prosa em torno das lembranças da convivência entre as duas brotou com muita força.

   Jandira, esposa do finado Zé Emboava, também morava no bairro do Perequê-mirim. Eliana, a filha mais velha deles era minha amiga desde o primeiro ano escolar. Crescemos juntos naquela comunidade em que todos se conheciam. Aos finais de tarde a criançada, todos nós, brincávamos bastante. Era escuro quando nossas mães nos chamavam - muitas vezes! -  para o banho e jantar. Foi em torno desse tempo que conversamos com muita empolgação (eu, Jandira e Eliana). Recordamos dos demais vizinhos, de quem já morreu, mas nos demoramos mesmo foi nos vivos. Até marcamos uma tarde para um reencontro com bolo e café.

   Eu conheci os pais do Zé Emboava: Dona Júlia e Seo João. Naquele tempo o Seo João Emboava já estava na cadeira de rodas, ficava sempre debaixo se uma goiabeira, cumprimentando os transeuntes, contando de outros tempos, quando morava na praia da Enseada. Dizia com saudades dos bate-pés que aconteciam nas casas: na sua, na do Dito Góis e na de outros. “O assoalho aguentava os trancos, meu filho. Esse meu povo era festeiro” – dizia ele sempre – “Não passava uma semana sem dança amanhecendo o dia. Só o tempo da quaresma era guardado”.

    Isso tudo fez parte da prosa no dia de ontem. Jandira fez questão de dizer o quanto era forte a amizade dela com a mamãe:    “A Laura era amiga de verdade. Quando eu tinha criança, estava de resguardo, ela ia até a minha casa para lavar roupas e fazer outros serviços. Ela se preocupava com as pessoas e queria ajudar o tanto que fosse possível”. Muito mais momentos daquele tempo ela fez questão de nos contar. De vez em quando eu e Eliana pedíamos apartes, lembrávamos de fatos (Dia das Jabuticabas na terra do Velho Hiasa, Festa de Santana na capela...).  Logo chegou outra filha da Jandira, a Viviane. Eu tive a oportunidade de ser apresentado ao seu esposo Edinho, saber que, como o meu primo Marcos, ele trabalha no SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, um importantíssimo programa criado pelo Presidente Lula em sua primeira gestão). Dele veio a informação a respeito do amigo fiel do Marcos: “Eu que dei para ele aquele cachorro, o Marx”. Logo enviei a seguinte mensagem ao primo: “Conheci o Edinho, ‘avô’ do Marx Aparecido”. Ele ficou contente, confirmou que o Edinho e Viviane são os ‘avós’ daquele cachorro tão especial.


sábado, 11 de maio de 2024

O VELHO AINDA NÃO MORREU

  

Jorge Ivam - Arquivo JRS

     O velho ainda não morreu e o novo está em busca de expressão, buscando formas novas de dizer as antigas percepções (éticas, políticas, religiosas etc.). Foi a partir deste pensamento que eu comecei a me aproveitar, a desfrutar da fala do amigo Jorge Ivam no dia de ontem (10/5), por ocasião do lançamento oficial do seu romance Safira não nasceu assim, ocorrido no espaço cultural Impact HUB, localizado na Rua Guaicurus, 310, no Itaguá. (Na realidade, aquela localidade é chamada de Barra da Lagoa pelos caiçaras de Ubatuba).   Eu gostei de ler mais essa obra desse meu grande amigo, professor que agora goza de merecida aposentadoria, mas segue se entristecendo pelos descaminhos da educação pública no Estado de São Paulo e no país todo. Seu talento e seus temas represados até pouco tempo agora vão florindo as nossas vidas, sua técnica acumulada em décadas de migrante ministrando aulas vai nos conduzindo pelos caminhos da literatura, sua humanidade e sua maravilhosa família seguem nos cativando. Que maravilha tê-los entre nós! É gente assim, imbuída de renovadas narrativas libertadoras, que contribui com o desenvolvimento da cidadania dos ubatubenses, da cidade e do mundo!

    Jorge, acompanhado merecidamente pelas interpretações do filho e ator Caio Ferreira, começou dizendo do seu berço na cidade de Iaçu, na Bahia, do trabalho do pai como vaqueiro que estimulava os filhos aos estudos e ao trabalho, de como aproveitou da convivência na fazenda do patrão onde sempre havia algo para ler. Pela minha interpretação, foram os estudos, as leituras e o protagonismo facilitado na família que estimulou esse nosso amigo baiano, da caatinga espinhenta, a se aventurar em São Paulo, na capital paulista espinhosa, onde a sua sede pelo saber se fortaleceu e o conduziu ao engajamento comunitário e aos estudos superiores. Assim se tornou professor, Mestre no ensino da nossa língua.

    Safira não nasceu assim foi inspirado numa história real da região nordestina do sertão baiano, numa pessoa que tinha uma deformidade física, cuja mãe, valentemente (como a maioria das mães)  foi o esteio, o sustentáculo de toda a família. Resumindo: o enredo se desenvolve, tem como pano de fundo um acidente que muda drasticamente o destino de uma moça. Eu recomendo a leitura deste tema e de outros que vão se manifestando, vindo da trajetória do velho Jorge para o novo Jorge.   Na verdade, eu gostaria que todos lessem a maravilhosa produção do talentoso baiano que segue se acaiçarando, a começar pelo SERTÃOMAR escrito em parceira com o saudoso professor Pedro Paulo (que atualmente empresta seu nome ao teatro municipal de Ubatuba).     

   Para encerrar: o melhor de tudo foi ter reencontrado amigos, amigas e toda a família do Jorge (esposa e filhos queridos) no evento. Ah! Já estou aguardando a edição do próximo livro!

 

quinta-feira, 9 de maio de 2024

ÉRAMOS JOVENS

 

Amanhecer caiçara - Arquivo Clóvis 

    Éramos jovens. Duas canoas estavam preparadas para nós: uma menor, para duas pessoas, outra maior que aguentava até o dobro com segurança. Dia de pescaria, de acordo com o nosso costume caiçara. Na embarcação menor fui eu e Fabinho; na outra foi o primo Zé Roberto e mais dois companheiros. O mar não estava manso, se apresentando muito enlodado. Embarcamos e rumamos em direção à costeira da Enseada.  De repente, reparando melhor, além da água turva, barrenta, o mar parecia estar farelado. Explico: uma sujeira fina corria junto, encorpava o lodo. “Que é isso?” - perguntou alguém. Foi o Zé Roberto que respondeu: “É farelo de serragem. Deve estar vindo da serraria, ali da outra praia”. Na hora eu imaginei o tanto de madeira serrada para produzir tanto material assim. “Eu já disse que o mar estava bravo, sem chance de pescar sossegado”. Se dependesse de mim a gente voltaria dali mesmo, adiava a pescaria, mas já sabemos da paixão do meu povo por pescaria, pelo prazer de remar e apreciar a visão de tudo a partir do largo enquanto dá um rumo na canoa. E, depois, quando esta já está fundeada, a prosa é sempre muito gratificante!

     Rema que rema, com disposição de chegar logo ao local da pescaria. Ondas levantam e abaixam as canoas. “Força aí, pessoal” - eu grito para incentivar, mas todos sabem, desde criança, que nessas condições de revolta nas águas não se pode fazer corpo mole mesmo. É preciso usar toda força! Porém, aquele dia não era mesmo para a gente enfrentar o mar. Percebemos a realidade pior do que era quando atravessávamos a Laje Grande. Na verdade, tentávamos atravessar por lá. As imensas ondas nos levavam contra as pedras, pulavam para dentro das canoas. Íamos alagar, com certeza. Larguei do remo uns instantes para esgotar a água da nossa embarcação. O jeito foi conduzir as canoas cheias de água para a praia da Santa Rita. Conseguimos. Ufa! E aí vem a decisão que nenhum caiçara gosta de tomar: abortar a pescaria, chegar de mãos abanando na praia, encalhar a canoa sem nada dentro para mostra ao pessoal que, no jundu, sempre está aguardando a sua volta desejando ver o resultado da pescaria. “É, não deu” - exprime o primo - “Só nos resta ir para casa, tomar um banho e saborear um gostoso café, bem quentinho, feito no capricho pela mamãe”. E assim se foi a pescaria que não aconteceu. Ah! E quantas vezes isso se repetiu em nossas vidas!?!

Em tempo: naquele época, quando nem se falava em consciência ambiental, nenhum de nós ficava refletindo sobre desmatamentos, destruição de mangues, aterramento de brejos para atender a demanda imobiliária advinda com o turismo etc. Aquela serragem no mar era apenas um detalhe “sem importância” diante da realidade dos esgotos nas praias e costeiras nos dias atuais. 

quarta-feira, 8 de maio de 2024

INDRUMISTO

 

Joaninha linda - Arquivo JRS

            O texto de hoje é relativo à palavra indrumisto que está sumindo, deixada de ser falada, mas continuada a ser praticada, fazer parte do ser de muita gente da comunidade. É uma contribuição da minha querida esposa Gláucia. Concluímos que a maior indrumista que conhecemos até hoje foi a vovó Martinha, nascida na praia do Pulso, em Ubatuba. Boa leitura. 


   É uma palavra da minha infância: indrumisto. Talvez - ou provavelmente - eu tenha sido acusada injustamente de ser indrumista, com o que eu não podia concordar. Porque criança é curiosa, o que é bom e saudável, a curiosidade faz parte do desenvolvimento. Porém, se na minha autoanálise infantil, eu não era indrumista, conhecia várias pessoas que podiam ser classificadas assim. Ainda hoje esse adjetivo me vem à mente diante de atitudes de algumas pessoas que pretender saber detalhes da vida alheia, questionam, especulam, enfim, metem o bedelho onde não lhes diz respeito. Agora que digo isso, me dou conta que a palavra bedelho também anda sumida dos meus ouvidos. Sempre a ouvi somente na expressão “meter o bedelho onde não é chamado”.

   Se as pessoas não usam uma determinada expressão ou uma palavra, ela vai se perdendo. Dizemos que cai em desuso. É assim mesmo, a linguagem é viva, está em constante transformação.

   Percebi recentemente que não ouço mais ninguém dizer indrumisto. Acho que os jovens não sabem o que significa. Então preciso explicar. Indrumisto é a mesma coisa que enxerido, fofoqueiro, intrometido. Mas o fato é que essas outras palavras não dizem exatamente a mesma coisa. Indrumisto vai um pouquinho além, é o sujeito que fica escarafunchando (mais uma palavra antiga), quer dizer, buscando insistentemente saber mais e mais. Olha por cima do muro, por baixo da cerca, estica o pescoço, apura o olhar e afia a língua para a necessidade premente de comentar os fatos reais ou imaginários da vida dos outros. 

   Tenho uma certa nostalgia de ouvir a palavra indrumisto. Mas o que me deixou chocada foi não encontrar essa palavra nos dicionários onde procurei. Procurei no Google também. Nada. A tal inteligência artificial da internet insinuou que é uma palavra do Esperanto. Não sabe nada...

    Não é o dicionário que diz se uma palavra existe ou não existe. Primeiro vem o uso, a linguagem na vida real, os significados na comunicação. Só depois é que os dicionaristas recolhem e descrevem nos verbetes. Nenhum desses estudiosos escreveu indrumisto? Nenhum deles esteve na minha casa, na minha rua, no meu bairro, nem viveu naquela época para ouvir minha mãe dizendo para minha tia o quão indrumisto era o vizinho?

segunda-feira, 6 de maio de 2024

CONSCIÊNCIA POLÍTICA

Madeira rachada - Arquivo JRS

      Eu aprendi, na formação escolar, que esse modelo de gestão política que predomina no mundo nasceu no Egito por volta de 4 mil anos. O faraó, devidamente orientado pelos sacerdotes e escribas, centralizou o poder. Pronto! Nasceu o modelo piramidal, onde um todo poderoso controla a vida dos demais. Demorou tempo para que os gregos viessem com outra proposta, com a tal de democracia. Na praça pública, os atenienses se reuniam para discussões e votações. Os debates, acreditavam eles, conduziriam à verdade, ao que é melhor para a coletividade. Infelizmente, no processo civilizatório que foi se desenvolvendo, privilégios de quem domina foram defendidos, se impondo como moral sobre as consciências. Prevaleceu a moral dos senhores do poder. A força da linguagem é determinante! Assim nascem as ideologias. Há muito tempo, para a maioria das pessoas as desigualdades sociais são vontades divinas, inevitáveis, oportunidades para a depuração da alma que pretende merecer o paraíso após a morte. Entendeu até aqui? Simples, né? Por isso que a consciência política e o acesso ao conhecimento são afrontados, caluniados e combatidos pelos senhores do poder. Para isso, sobretudo na onda reacionária que avança sobre o Brasil e o mundo, o sentimento religioso está sendo usado para "fazer a cabeça dos mais pobres", para manipulá-los. É por isso! Estou me referindo à carência de consciência política, da urgência dos empobrecidos acreditarem na união, no direcionamento de suas forças para as transformações sociais e para novas posturas ambientais tão prementes nos dias atuais. Eu creio que somente os poderes (das palavras, dos saberes e dos pensamentos direcionados para o bem comum) resultarão no pleno desenvolvimento da humanidade. É, o pensamento pode ser muito perigoso. Ousemos pensar!

sábado, 4 de maio de 2024

SENTADO NO ROÇADO (III)

 

Mandioca - Arquivo JRS

    Impressionante como tem negacionista! Um dos absurdos nessa categoria de gente é dizer que isso de aquecimento global é mentira, que essa preocupação com desmatamento, poluição etc. é coisa de esquerdista, de comunista, de quem não tem o que fazer. Por influências perversas, gente assim deixa de usar a razão como instrumento de libertação. No momento, vendo o desastre causado pelas fortes chuvas na região sul do Brasil, me pergunto se esses negacionistas farão uma revisão de seus pensamentos, de suas condutas, serão solidários com as vítimas etc.

    A razão deve nos trazer a felicidade porque é capaz de olhar o mundo de outro modo, de buscar consertá-lo. Me disseram o seguinte: o relatório da ONU afirma que, no momento, 55 conflitos (guerras) acontecem no mundo. Diante de coisas simples ou de coisas absurdas, a consciência segue conversando com o corpo físico, elaborando narrativas morais, suportando tudo que acontece na existência. Conforme o ditado, são “unha e carne”. Nisto se dá o nosso ordenamento, a nossa direção, o rumo da nossa canoa. Os acertos, recorrendo à razão, podem prevalecer.

     O nosso fim vai se aproximando. O meu fim chegará, mas a memória que por ventura os outros tenham de mim - que agora preenche o meu ser - continuará atuando. A cultura individual, soma de tudo que faz parte do meu ser, ganhará autonomia. Os vestígios dela (gravada, escrita...) poderão continuar acessíveis às gerações vindouras. Isto é, assim dizendo, as contribuições  de um ser que, mesmo ausente, segue contribuindo com a humanidade, compartilhando o seu espírito (soma das vivências, das experiencias). Não é o saber acumulado desde os tempos mais antigos que nos conduziu até aqui? Não sei como essa gente consegue, apesar de tudo, continuar sendo negacionista.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

SENTADO NO ROÇADO (II)

         

Frutinhas azuis - Arquivo JRS

    Surgiu o homo sapiens. Pronto! Dizem que este estágio na nossa existência se deu por volta de 100 mil anos. As pesquisas apontam: uma brevidade de tempo se comparado a outras espécies de viventes desta Terra. O nosso cérebro cresceu graças aos estímulos.  Viver no chão, usar as mãos, recorrer a tudo para sobreviver foram essenciais naquele começo, naquele estágio vivencial.        

      Ainda hoje necessitamos muito dos estímulos para não regredirmos.  Essa máquina chamada cérebro se tornou complexa graças às técnicas, ferramentas, falas, memórias etc.; permitiu revoluções diversas nesse pouco tempo de vida no planeta. Agora leio e fico imaginando a evolução desde o surgimento da linguagem, da fala que possibilitou a vida coletiva, em grupos. Depois se deu a invenção dos alfabetos, a produção de livros, chegando à tecnologia moderna que não cessa de se desenvolver. Antes de cada  amanhecer tenho em mãos um aparelho que armazena centenas de obras, tal como as grandes bibliotecas existentes. Não é maravilhoso ler e escrever, compartilhar ideias de/com alguém que apenas é acessível pelas letras imprimidas, digitadas ou gravadas porque mora distante de nós, até mesmo no outro lado do mundo?

     É isto: os livros, sob as múltiplas formas, serão sempre revolucionários!