segunda-feira, 9 de agosto de 2021

VOCÊ NÃO É DOCE DE COCO...

 

Joaquim no traquete (arquivo JRS)

        "Não me recordo do sabor, mas digo com toda certeza que era delicioso". 

     Eu, criança ainda, era andejo. Em qualquer lugar metia o meu nariz; curiosidade demais (como é natural nos pequenos). No canto direito da praia da Fortaleza morava Joaquim Silvino, gente brava na definição da maioria, que criava sozinho seus dois filhos desde que a Rosa se separou dele. Ela bebia demais, passava cantarolando no lagamar a cada manhã. Apenas Anginho, filho do primeiro marido (Angelino), a acompanhava. Nunca me esqueço de uma estrofe de música costumeiramente repetida por ela no lagamar: "Você não é doce de coco pra eu enjoar de você".  De que lembrança gustativa eu falava no começo? Ah! De leite de cabra com mel! O finado Joaquim tinha uma cabra leiteira (acho que a comprou pensando nos dois garotos, pequenos ainda). O mel ficava em um litro fechado com rolha de cortiça. Me explicou que houvera recolhido no oco de uma jaqueira, ali perto. Então lhe perguntei: "Como se tira mel das abelhas? Elas não ficam bravas, não atacam a gente?".  O homem, de semblante bravo, mas apenas bravo em determinadas ocasiões, me fez sentar no toco de amendoeira no terreiro varrido e explicou: "Elas são bravas sim. Podem até matar gente e bicho. Por isso é preciso alguns cuidados. O melhor é tirar mel em dia de sol quente, no começo da tarde. Na hora, tem de lambuzar bem de capim-cidrão e fazer fumaça por perto da casa delas, da colmeia, onde ficam os favos de mel. Só não pode retirar tudo, deixá-las sem alimento. Aquela da jaqueira, de onde veio este mel, até perdi o tempo que estão ali. Espero que elas fiquem ali até eu morrer. Mais longe, no morro, ali no costão, tem das abelhas mansas". Guardo bem na lembrança a imagem do Joaquim chegando em sua canoa, de traquete  armado, aproveitando o vento. Até fiz a imagem em uma telha.

    Faz tempo que o "Canto do Joaquim" virou área de um hotel. Aquele jundu, onde se via apenas o seu rancho de canoas entre a vegetação, agora é área reservada do hotel, tudo gramado, com cadeiras espreguiçadeiras e quiosques, tendo garçons e garçonetes a serviço de hóspedes. Por volta dali é só casa de gente rica, onde pobre só entra para realizar serviços.

     Que delícia aquele leite de cabra com mel! Isto é saudade que vem das papilas gustativas e das vivências com o meu povo!

3 comentários:

  1. E que vivência!
    Senti até o gosto do leite com mel...

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  2. Gostou? Eu também gostei! Gratidão pelos comentários, amiga.

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  3. O segredo era não tirar todo o mel. Assim preservava as abelhas naquela jaqueira. Sábio!

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