Escola do Camburi teve início na capela |
Virgínia Lefèvre, após dez anos em Ubatuba, em 1956, apresenta a sua compreensão do universo caiçara e se propõe a fazer alguma coisa pelos moradores do extremo norte do litoral paulista.
Os caiçaras passaram anos vegetando,
quase esquecidos, tentando extrair alimento do solo e do mar, trabalhando às
vezes em obras de construção e outros biscates. O pouco que percebiam mal dava
para comprar velas, fósforo, querosene. As crianças, subnutridas e expostas a
doenças, só vingavam por milagre. Nasciam robustas e espertas e vicejavam em
quanto a mãe os amamentasse. Em lugares mais remotos ainda se crê que é bom
para o umbigo do recém-nascido passar-lhe picumã das chaminés, o que,
naturalmente, causa muita infecção fatal. Ao começar a alimentação de mingaus
de farinha de mandioca e bananas, porém, iam perdendo saúde.
Entre as poucas distrações do caiçara
contavam-se as danças herdadas dos negros, sem música, num ritmo de pandeiro e
tambor, e as festas religiosas, idênticas ao que era há um século. Sua
imaginação se nutria das superstições herdadas dos brancos, índios e negros.
Acreditava no lobisomem, em monstros marinhos e na mãe d’água. Em longos anos
de ignorância, acumulara “receitas” como estas contra doença: para picada de
cobra, beber uma xícara de querosene com três dentes de alho socados.
De uns anos para cá, o litoral paulista
começou a ser “descoberto” pelos turistas. Muitos deles, orientados por gente
poderosa e inescrupulosa, puseram-se a ludibriar o caiçara, “comprando” suas
terras. O turista chega, constrói casa de luxo que abre durante poucas semanas
por ano, mas nada planta nas terras compradas. Os gêneros desaparecem e os
preços sobem.
Foi assim que encontrei Ubatuba há dez
anos. Apesar de desconfiado e acanhado a princípio, o caiçara me pareceu
inteligente, bom e muitíssimo aproveitável. Tive uma ideia. Em São Paulo, com
um grupo de amigas eu vinha há alguns anos tentando ajudar crianças
superdotadas que, por falta de meios, não poderiam continuar os estudos por
precisarem ajudar as famílias. Percorremos duas ou três escolas públicas e
escolhemos cinco meninas das que tiravam as melhores notas e pertenciam a
famílias mais pobres. Angariando alguns poucos recursos entre parentes e
amigos, não nos contentamos em encaminhá-las para o ginásio ou curso comercial;
tomamos conta da família toda, dando-lhe tratamento médico e dentário, enfim,
elevando-lhes o nível econômico. Queríamos provar que a boa vontade e o
idealismo eram coisas mais valiosas e produtivas que as grandes verbas. E foi
assim que formamos a Sociedade Pro-Educação e Saúde. Por que não levar o seu
auxílio ao litoral de Ubatuba, abrindo uma escola ali? Compreendíamos muito bem
a enorme carga que o governo estadual carregava para manter os serviços sociais
oficializados. Poderíamos, porém, dar a nossa migalha e, se conseguíssemos
elevar o nível de vida de uma dúzia de famílias, estas iriam multiplicando os
dons recebidos e um dia a seara seria grande.
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