Capela Nossa Senhora das Dores (Arquivo JRS) |
“A arte não reproduz o que vemos. Ela nos faz ver".
O texto de hoje é para
rememorar duas amigas, da comunidade do Itaguá: Fátima Souza e Lúcia Elisa, a
Tia Chileca. Na década de 1980, com a juventude do bairro, elas nos apresentaram
maravilhosas encenações no espaço da capela local, defronte ao plácido mar possibilitaram muitas reflexões e novas atitudes perante o turismo que queria engolir tudo. Elas e tanta gente boa dali (Élvio, Mercedes, Isaac, Santaninha, Luzia, Juraci, Neia, Virgílio...) estão na história singular dessa comunidade caiçara.
Arte é tudo: música, desenho, teatro,
escultura, poesia etc. e é capaz até de “mover montanhas” quando as convicções
ultrapassam as condições. Os jesuítas, assim que chegaram neste continente
depois da travessia do oceano, do vasto Atlântico, recorreram aos dons
artísticos na catequização dos indígenas, os primeiros moradores desta Pindorama,
a terra das palmeiras e dos papagaios. Os invasores lusitanos trataram logo de
mudar o nome. Vários deles passaram até se deter em Brasil. Primeira lição: o
nome é uma identidade, a primeira. Por isso que, do grande nome Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba, só restou Ubatuba, a denominação provinda dos tupinambás.
Comecei assim porque o inconsciente fez
aflorar uma encenação na beira do mar, no Canto do Acaraú, numa ocasião em que a comunidade
revisava a nossa história: a chegada dos portugueses, o modo de vida dos
tupinambás, a vinda dos turistas, as alterações na rotina dos que aqui viviam e
as revoltas. Nestas eu me detenho agora: vendo uma situação fora do controle,
beirando o extermínio das coisas mais valiosas para nós, moradores do lugar, a
areia foi aberta para o mar dar um susto maior, quebrando assim o andamento das
coisas e chamando a atenção do grande público. O menino do finada dona Luzia
tinha uma espécie de cipó na mão, gritava contra a submissão da nossa gente à
gente de fora, aos costumes que iam sendo abraçados. Entremeava a fala com
lambadas no chão. Em cena apenas ele e o pai. De espaço em espaço, uma guachada
nas pernas do velho.
Depois de desabafar o rumos da história,
começou a explicar a respeito de como a sua mãe resolvia a questão em casa:
“Estão
vendo este reio? É ele que a mamãe usa quando vai dar lição no papai. Ela
bronqueia com ele porque abaixa a cabeça para essa gente de fora, vai entregando tudo só porque chega
de carro e tem mais dinheiro. Até a dignidade vai perdendo. Entre uma etapa da falação e outra ela usa isto,
mostrando que precisa apanhar, sentir uma dor passageira agora para não passar
o resto da vida em dores. Enquanto ele não aprender, vai levando regularmente coça
da mamãe com esta mesma perna de timbopeva”.
Conforme ia falando, batia o cipó
nas pernas do velho pai, causando-lhe pulinhos e encolhimentos na movimentação
para a plateia que se compadecia. Todo mundo parecia entender a mensagem. De
quando em quando o velho caiçara gritava: “Valei-me
Nossa Senhora das Dores”. Segunda
lição: encenar a história é repensá-la e manter a memória bem viva.
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