Ontem - Arte: Estevan |
Hoje - Arte: Estevan |
Hoje, dando prosseguimento aos 10 anos do blog, atentemos à mensagem do estimado Roberto Ferrero, o nosso caprichoso fazedor de violas, rabecas e outras coisas. Ah! Também é bom no bate-pé o rapaz!
Gratidão, Roberto! Também agradeço ao meu filho Estevan que, após ter lido o texto, produziu as ilustrações.
Tristes são os tempos para o caiçara
que ainda resiste. Considero agora, numa fresca manhã de terça-feira, olhando a luz
do sol difratar-se por uma pequena gota de orvalho que desce por um delicado
cipó imbé novo. Mas que jeito de comemorar o aniversário de 10 anos do blog
Coisas de Caiçara?! Pudera eu ter boas noticias... Se esse blog nos deixou uma
valiosa lição, entre outras, é que somos frutos do nosso tempo. E a minha
geração chegou tarde. Raspa do Tacho. Ainda que me considere um privilegiado,
por ocupar uma insólita e centenária propriedade a beira mar, na Pedra Branca.
Chegamos tarde. Atrasamos e agora
temos que lidar com as consequências de décadas de descaracterização e
criminalização da nossa gente. “Aquele que não guarda o que possui quando
encontra não reconhece” ensinou Francisco Bulhões, da comunidade de Tarituba. E
não é? Quantos de nós durante esse processo se perdeu na ganância
individualista e esqueceu que nossa gente sobreviveu na terra de forma
comunitária? Reconheceriam um mutirão como forma legítima de relação social?
Provavelmente não. Quem se acostumou a nem favor prestar vai trabalhar de
graça? Nunca.
Malempregados costumes exógenos, de
fácil assimilação e tão atraentes quanto nosso território pode ser! O cerne de
nossas famílias foi cortado por uma rodovia, e suas estradas vicinais
alcançaram até mesmo os mais isolados. Envenenou e capitalizou nossas nascentes
mais fortes e secaram de desgosto as mais frágeis. Já viu algo secar de
desgosto? Acontece até com gente. Acontece com o território. Aqui preciso abrir
um parêntese para explicar o que é isso. Território é o aglutinador de todas as
coisas que orbitam o universo da cultura caiçara, tanto as materiais como as
imateriais. É igual a farinha no pirão, que transforma um liquido cheio de
fiapos de peixe, temperos e vegetais numa massa bem definida. E o calor
necessário para escaldar a farinha é a nossa ancestralidade.
As gerações passadas viram a perda e venda desse território, já a minha
testemunha a reordenação desse espaço. Por cima do jundu edificaram-se muros, casas
e quiosques. Ou as vezes dá lugar a estacionamento de carros, ponto de consumo
de drogas e vaso sanitário. O lagamar sofre com todo tipo de estupidez humana,
e, no mar, quem tem mais dinheiro se beneficia da ausência de regramento. Nos
sertões as roças foram criminalizadas e imensas áreas destinam-se a especulação
imobiliária. O caiçara se espreme onde dá, respeitando tamanhos padronizados de
lotes, se emocionando em alegria com cada nova flor que se desabrocha em seu
diminuto espaço. Um verdadeiro mosaico territorial de fluidez interrompida,
frágil demais para sobreviver plenamente, onde cada “lote” encerra dentro de si
mesmo uma pequena amostra do todo que já foi.
Na luta do dia a dia que essa nova
ordem territorial e socioeconômico nos impõe não nos sobra tempo, vontade ou
energia para nos unir. Ou até mesmo motivação. Frequentemente não conseguimos
sentir empatia pelos nossos, seja pela própria índole pessoal ou seja pelo
próprio distanciamento imposto. Os tempos são outros, fora e dentro de nós.
Como também os costumes e a educação.
Nesse cenário horrendo, que alegria é
termos esse canal para nos reconectarmos com múltiplos exemplos. Que bom é ver
novas formas de traspassarmos as rígidas fronteiras que se ergueram e nos
cercam. Viva o Blog Coisas de Caiçara e Viva o Professor José Ronaldo!
Em tempo: ontem, outro recorde: 957 acessos.
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