terça-feira, 9 de março de 2021

10 ANOS DE VIDA- O DESAFIO DA REORDENAÇÃO CULTURAL

 

Ontem - Arte: Estevan

Hoje - Arte: Estevan

      Hoje, dando prosseguimento aos 10 anos do blog, atentemos à mensagem do estimado Roberto Ferrero, o nosso caprichoso fazedor de violas, rabecas e outras coisas. Ah! Também é bom no bate-pé o rapaz! 

      Gratidão, Roberto! Também agradeço ao meu filho Estevan que, após ter lido o texto, produziu as ilustrações.

      

        Tristes são os tempos para o caiçara que ainda resiste. Considero agora, numa fresca manhã de terça-feira, olhando a luz do sol difratar-se por uma pequena gota de orvalho que desce por um delicado cipó imbé novo. Mas que jeito de comemorar o aniversário de 10 anos do blog Coisas de Caiçara?! Pudera eu ter boas noticias... Se esse blog nos deixou uma valiosa lição, entre outras, é que somos frutos do nosso tempo. E a minha geração chegou tarde. Raspa do Tacho. Ainda que me considere um privilegiado, por ocupar uma insólita e centenária propriedade a beira mar, na Pedra Branca.

 

           Chegamos tarde. Atrasamos e agora temos que lidar com as consequências de décadas de descaracterização e criminalização da nossa gente. “Aquele que não guarda o que possui quando encontra não reconhece” ensinou Francisco Bulhões, da comunidade de Tarituba. E não é? Quantos de nós durante esse processo se perdeu na ganância individualista e esqueceu que nossa gente sobreviveu na terra de forma comunitária? Reconheceriam um mutirão como forma legítima de relação social? Provavelmente não. Quem se acostumou a nem favor prestar vai trabalhar de graça? Nunca.

 

        Malempregados costumes exógenos, de fácil assimilação e tão atraentes quanto nosso território pode ser! O cerne de nossas famílias foi cortado por uma rodovia, e suas estradas vicinais alcançaram até mesmo os mais isolados. Envenenou e capitalizou nossas nascentes mais fortes e secaram de desgosto as mais frágeis. Já viu algo secar de desgosto? Acontece até com gente. Acontece com o território. Aqui preciso abrir um parêntese para explicar o que é isso. Território é o aglutinador de todas as coisas que orbitam o universo da cultura caiçara, tanto as materiais como as imateriais. É igual a farinha no pirão, que transforma um liquido cheio de fiapos de peixe, temperos e vegetais numa massa bem definida. E o calor necessário para escaldar a farinha é a nossa ancestralidade.

 

       As gerações passadas viram a perda e venda desse território, já a minha testemunha a reordenação desse espaço. Por cima do jundu edificaram-se muros, casas e quiosques. Ou as vezes dá lugar a estacionamento de carros, ponto de consumo de drogas e vaso sanitário. O lagamar sofre com todo tipo de estupidez humana, e, no mar, quem tem mais dinheiro se beneficia da ausência de regramento. Nos sertões as roças foram criminalizadas e imensas áreas destinam-se a especulação imobiliária. O caiçara se espreme onde dá, respeitando tamanhos padronizados de lotes, se emocionando em alegria com cada nova flor que se desabrocha em seu diminuto espaço. Um verdadeiro mosaico territorial de fluidez interrompida, frágil demais para sobreviver plenamente, onde cada “lote” encerra dentro de si mesmo uma pequena amostra do todo que já foi.

 

        Na luta do dia a dia que essa nova ordem territorial e socioeconômico nos impõe não nos sobra tempo, vontade ou energia para nos unir. Ou até mesmo motivação. Frequentemente não conseguimos sentir empatia pelos nossos, seja pela própria índole pessoal ou seja pelo próprio distanciamento imposto. Os tempos são outros, fora e dentro de nós. Como também os costumes e a educação.

 

        Nesse cenário horrendo, que alegria é termos esse canal para nos reconectarmos com múltiplos exemplos. Que bom é ver novas formas de traspassarmos as rígidas fronteiras que se ergueram e nos cercam. Viva o Blog Coisas de Caiçara e Viva o Professor José Ronaldo!

            

Em tempo: ontem, outro recorde: 957 acessos.

 

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