Embarque de banana dos caiçaras (Arquivo S. Sebastião) |
A intenção explícita da ideologia dominante é manter os trabalhadores sob controle. Com certeza que as chances dos herdeiros dos exilados lusitanos, dos remanescentes indígenas e dos afrodescendentes são cruéis. Jogam descalços contra gente de pés enfiados nas melhores chuteiras, não precisam estudar, mas apenas trabalhar, gerar lucro ao patrão. Não tem de compreender a engrenagem capitalista, mas defendê-la com a própria vida como coisa maravilhosa.
Comecei este texto após ler o seguinte documento de Ana Luíza Marcílio:
A condição de alforriado era uma situação pouco frequente em Ubatuba. Certamente, as barreiras que estes libertos encontravam para seu ajustamento na categoria dos livres criavam outras sortes de problemas para sua vida normal, em família. Ana de Souza, por exemplo, era uma parda forra, analfabeta, que chegou da vida de Santos, com a idade de 25 anos e solteira. Em Ubatuba ela só consegue sobreviver, no início, com trabalhinhos temporários (em 1798 como costureira, e em 1799 como lavadeira). Só em 1801 chega a estabelecer-se e a viver em sua pequena roça, mas sempre produzindo quase tão-somente para seu próprio sustento. Solteira, teve oito filhos, dos quais sete morreram ainda crianças. Só lhe restou Jozé, que se casou muito jovem. Mesmo sozinha, Ana conseguiu sobreviver com sua pequena plantação. Outra parda alforriada, Bárbara Maria da Silva, mostra com sua vida as dificuldades enfrentadas pelas mulheres libertas. Sem conseguir se casar, teve sete filhos, entre 1792 e 1803, quando morreu, aos 39 anos. Roceira, foi a ajuda de seus filhos, todos forros, que lhe permitiu uma existência miserável. Ela tentou viver de favor com outra família, mas só ficou aí dois anos. As possibilidades de casamento eram maiores para as pessoas de cor branca e menores para as negras, dentro do estrato livre da população.
Por fim me perguntei em quantos de nós, caiçaras deste chão ubatubano, certamente temos gente assim (exilados/degredados lusitanos, indígenas e africanos) na base de nossas árvores genealógicas? Acho que todos! E quantos de nós, criados com farinha, peixe e banana, assumimos a fala de quem, desde aquele tempo tão miserável, vive se aproveitando de nossa gente?
Que tal rever nossos pensamentos, nossas concepções, nossas razões de viver neste outro tempo tão miserável? Que tal pensar num mundo de mais justiça e de amor? Que tal deixar morrer às míngua, não alimentar o discurso de ódio atual?
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