A casa do meu tio-bisavô José Félix, na Caçandoca, virou escola |
Dona Virgínia, enfrentando até mesmo mentalidades preconceituosas, buscava, na capital paulista, os recursos para levar em frente as suas iniciativas em prol dos caiçaras de Ubatuba. Teve de ousar mais do que imaginava por conta dos exigências legais. Ah! Depois do norte, expandiu o projeto de escolas para o sul, conseguindo alcançar toda a área do município.
Na capital, ninguém queria ajudar
o caiçara “preguiçoso, malandro, indiferente”. Perdemos até um de nossos sócios
contribuintes dos mais generosos. Mas não desanimamos, pois queríamos
demonstrar que o caiçara só precisava de um impulso.
Infelizmente minhas companheiras na
Sociedade, quase todas mães de família como eu, não podem ausentar-se da
capital, ajudando-me só a levantar dinheiro. Assim, tive de empreender o trabalho
em Ubatuba como pude. Meu marido, temendo que eu me esgotasse, a princípio não
via com bons olhos a ideia. Hoje, entretanto, é meu principal colaborador,
orientando-me nas questões técnicas e abrindo-me caminho nas Secretarias de
Estado, onde tenho sempre assunto a tratar.
Os próprios caiçaras também resistiram
no começo, embora alguns, mais ousados, se entusiasmassem com o plano da escola
e pedissem até remédios e médico. Em primeiro lugar, pareceu-me que era
necessário combater o amarelão; mas quando sugeri a abertura de fossas, a
indignação foi geral. “A fossa é imoral”, disseram. Preferiam o mato, “onde
ninguém vê a gente”. Mas, com muita paciência e alguns caixotes,
construíram-se, afinal, as fossas.
As necessidades daquela gente não tinham fim. A maioria das crianças teria de caminhar mais de um quilômetro para chegar à escolinha; quase todas estavam subnutridas ou atacadas de amarelão. Saíam de casa com um gole de café e um pedaço de peixe salgado, quando tinha disso. Assim, além do prédio da escola, um quarto para a professora, equipamento didático, livros, papel, lápis, tinta, etc., o remédio seria dar-lhes uma sopa ou lanche forte, com legumes, cereais, extrato de carne, fortificantes. Outra despesa necessária era o fornecimento de uniformes.
O mais difícil, porém, foi a matrícula.
O governo exige, para isso, que a criança apresente certidão de nascimento. Mas
a maioria não era registrada. E muitos dos pais nem sequer conheciam a prática
do casamento civil, contentando-se com bênção nupcial coletiva de um abnegado
sacerdote lhes ia levar pelo menos uma vez por ano. Não me agradava ver na
certidão das crianças a pecha de “filho natural” (na época a lei exigia a
diferenciação) e por isso comecei a fazer os casamentos civis.
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