Cavaleiros diante do Casarão (Arquivo Ubatuba) |
Mané Fialho parecia ser conhecido de
todos, principalmente porque vivia um porre semanal. Só que era trabalhador e se
angustiava por coisas fora do lugar, que destoavam do normal daquele tempo, do
nosso espírito caiçara, sobretudo quando se tratava de maldades e injustiças
nas relações. Creio que hoje posso afirmar: era essa sua sensibilidade que
acabava conduzindo às bebedeiras, como se assim se aliviasse.
Certa vez, num dia bem cedo, ele me disse
isto: “Uma onda de ignorância maléfica
transbordou jundu acima, Carpinteirinho”. (Alguns me chamavam assim porque
eu era filho do Carpinteiro). Pela prosa de dias anteriores, eu já sabia que
ele se referia às perseguições que se ouvia por parte do governo militar, do
presidente Geisel. Outra pessoa que me informava a cada manhã era o Nininho, o
entregador de pães e leite que todos os dias fazia o percurso numa perua Kombi desde
a Barra da Lagoa, local da padaria, até a Maranduba. Parece que foi ontem a
revolta dele por causa da censura à música Cálice, de Chico Buarque e Gilberto
Gil. Era através do rádio que ele sabia das novidades. Confesso que não sei
dizer quem alimentava o Mané Fialho com tantas notícias.
Hoje, me aproveitarei da frase desse caiçara que há tempos se foi: “Uma
onda de ignorância maléfica transbordou jundu acima”. É verdade! Ignorância
e maldade se juntam! Como eu repudio essa combinação! Você disse tudo naquela
época, Mané, mas diria muito mais agora que veio à tona o maior erro jurídico
brasileiro de todos os tempos, quando um juiz liderou uma quadrilha contra o Brasil,
sob orquestração dos Estados Unidos que cobiçaram nossa riqueza petrolífera, além
de perceberem que estava em gestação a autonomia da nossa Pátria, quando
pequenos passos tomavam o rumo da superação das desigualdades sociais, com
programas que incluíam desde a casa própria até tratamento dentário gratuito aos
mais carentes. O que dizer da indústria pesada que trazia de voltas
brasileiros que há anos tentavam a sorte em outras terras? E eu sou testemunha
do tanto de filhos das classes populares que abraçaram possibilidades
acadêmicas financiadas pelo governo federal!
Mas veio a maldita onda de notórias
autoridades coniventes com crimes e/ou incluídas em esquemas criminosos, políticos vendidos ao capital estrangeiro, psicopata se elegendo como cidadão do bem com propaganda de armas de fogo para
todos, descaso pela vida e ao meio ambiente, perseguição às minorias e ao
conhecimento científico etc. (Mestre Paulo Freire, segundo essa onda, é
bandido). Pior: escuto constantemente absurdos de assalariados no supermercado da minha preferência, de lobos em pele de cordeiro, de compadre meu que diz que ruminando dá pra ser feliz etc. Enfim, ignorância e maldade se dão as mãos e engrossam a onda. É ela que transborda o jundu e faz estragos mato adentro. Perante esse inferno, eu diria ao finado Mané
Fialho, filho do estimado Dito Graça: “Pobre bem manipulado e instrumentalizado é capaz de barbáries, inclusive de
destruir a própria cultura na qual se gerou”.
Palavras sábias de Mané Fialho e infelizmente regredimos para épocas sombrias.
ResponderExcluirÉ verdade, querida. Tristeza, né?
ExcluirIgnorância dando força pra maldade
ResponderExcluirBem isso, Kamila.
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