terça-feira, 16 de março de 2021

A ONDA QUE INVADIU O JUNDU

 

Cavaleiros diante do Casarão (Arquivo Ubatuba)


      Mané Fialho parecia ser conhecido de todos, principalmente porque vivia um porre semanal. Só que era trabalhador e se angustiava por coisas fora do lugar, que destoavam do normal daquele tempo, do nosso espírito caiçara, sobretudo quando se tratava de maldades e injustiças nas relações. Creio que hoje posso afirmar: era essa sua sensibilidade que acabava conduzindo às bebedeiras, como se assim se aliviasse.

     Certa vez, num dia bem cedo, ele me disse isto: “Uma onda de ignorância maléfica transbordou jundu acima, Carpinteirinho”. (Alguns me chamavam assim porque eu era filho do Carpinteiro). Pela prosa de dias anteriores, eu já sabia que ele se referia às perseguições que se ouvia por parte do governo militar, do presidente Geisel. Outra pessoa que me informava a cada manhã era o Nininho, o entregador de pães e leite que todos os dias fazia o percurso numa perua Kombi desde a Barra da Lagoa, local da padaria, até a Maranduba. Parece que foi ontem a revolta dele por causa da censura à música Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil. Era através do rádio que ele sabia das novidades. Confesso que não sei dizer quem alimentava o Mané Fialho com tantas notícias.

    Hoje, me aproveitarei da frase desse caiçara que há tempos se foi: “Uma onda de ignorância maléfica transbordou jundu acima”. É verdade! Ignorância e maldade se juntam! Como eu repudio essa combinação! Você disse tudo naquela época, Mané, mas diria muito mais agora que veio à tona o maior erro jurídico brasileiro de todos os tempos, quando um juiz liderou uma quadrilha contra o Brasil, sob orquestração dos Estados Unidos que cobiçaram nossa riqueza petrolífera, além de perceberem que estava em gestação a autonomia da nossa Pátria, quando pequenos passos tomavam o rumo da superação das desigualdades sociais, com programas que incluíam desde a casa própria até tratamento dentário gratuito aos mais carentes. O que dizer da indústria pesada que trazia de voltas brasileiros que há anos tentavam a sorte em outras terras? E eu sou testemunha do tanto de filhos das classes populares que abraçaram possibilidades acadêmicas financiadas pelo governo federal!

    Mas veio a maldita onda de notórias autoridades coniventes com crimes e/ou incluídas em esquemas criminosos, políticos vendidos ao capital estrangeiro, psicopata se elegendo como cidadão do bem com propaganda de armas de fogo para todos, descaso pela vida e ao meio ambiente, perseguição às minorias e ao conhecimento científico etc. (Mestre Paulo Freire, segundo essa onda, é bandido). Pior: escuto constantemente absurdos de assalariados no supermercado da minha preferência, de lobos em pele de cordeiro, de compadre meu que diz que ruminando dá pra ser feliz etc. Enfim, ignorância e maldade se dão as mãos e engrossam a onda.  É ela que transborda o jundu e faz estragos mato adentro. Perante esse inferno, eu diria ao finado Mané Fialho, filho do estimado Dito Graça: “Pobre bem manipulado e instrumentalizado é capaz de barbáries, inclusive de destruir a própria cultura na qual se gerou”.


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