O menino Zé Carlos (Arquivo Góis) |
Esse causo, quem me contou, há uns cinco anos atrás, foi o meu amigo João Costa Filho, nosso querido João Corvina.
Foi há muito tempo, lá pela década de sessenta. Os seis amigos saíram do Corcovado, logo após o almoço, carregando um corte de canoa, retirado de um guapuruvu, para levar até a Praia das Sete Fontes, onde seria terminada por um mestre canoeiro, para o pescador Jayme Peralta.
Já estava começando a anoitecer quando chegaram na venda do Seu Dito Paulino, na divisa com o Saco da Ribeira. Pararam para tomar uns goles, comer pão com mortadela e seguir na caminhada. Pretendiam chegar nas Sete Fontes antes das dez horas da noite. Mas, não é que se esqueceram de levar uma lanterna? E agora, era noite de escuro, lua nova, como iriam caminhar na escuridão até o seu destino?
Agenor, o mais letrado dos seis, perguntou ao Seu Dito Paulino se ele tinha uma lanterna para emprestar ou para vender. Ele respondeu que não, só tinha maço de velas para oferecer. Sem outra saída, compraram uns maços de velas, e continuaram sua viagem. A escuridão caiu total, e se revezavam: quatro carregavam o corte de canoas e dois levavam as velas acesas, a cera escorrendo, queimando as mãos dos caminhantes.
Chegaram às Sete Fontes já passava das dez horas da noite, cansados, as mãos chamuscadas pela cera quente das velas. Foram bem atendidos pelo pescador Jayme Peralta e sua família. Comeram um gostoso pirão de piragica com banana verde e muita pimenta. Não quiseram aceitar o espaço dentro de casa que lhes foi oferecido e dormiram no rancho de canoa, em cima dos panos de rede. No dia seguinte, logo cedo, empreenderam a viagem de volta. Chegaram na venda do Seu Dito Paulino às sete horas e ele já estava com seu comércio aberto.
Pararam para tomar um café, gentilmente oferecido pelo comerciante. O interior da venda estava todo iluminado pela luz do sol. Foi quando Agenor olhou na prateleira e viu algumas lanternas em exposição. Incrédulo, questionou o vendeiro: “Mas, Seu Dito Paulino, ontem o senhor nos disse que não tinha lanterna para vender. Estava muito escuro aqui dentro, só com a luz do lampião e não se enxergava nada. Mas agora, na clareza deste dia, olha só o que estou vendo: lanternas para vender. Puxa vida, o senhor nos fez ir queimando as mãos com cera de vela quente daqui até as Sete Fontes”. Seu Dito Paulino voltou os olhos para a prateleira e sapecou: “Lanterna? Mas que lanterna, minino, isso aí é féchilaite!”
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Nota: Quando pequeno na Praia da Enseada, não havia iluminação pública, poucas casas tinham luz elétrica. Saíamos às noites iluminando a escuridão com o flashlight, que pronunciávamos féchilaite. Não era comum usar o termo lanterna.
JOSÉ CARLOS DE GÓIS
Ubatuba, março de 2.021.
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