As mudanças chegaram com a capela e a escola (Arquivo Mendonça) |
No
começo do século passado, na Praia da Fortaleza, era produzida muita pinga.
Dois alambiques davam conta do recado. Ou seja, muita cachaça por cabeça.
Então, um passatempo comum aos domingos era brigar. Era dizer do lugar: “Domingo
que não tem briga, gente ensanguentada, com cabeça quebrada... não é domingo”. Era assim. Faz-me lembrar, conforme a memória
de João Tãozinho, os domingos no Ubatumirim: os jovens da praia e do sertão já
tinham um ponto demarcado no meio do caminho, entre os dois lugares, para os
embates dominicais. Brigavam como um esporte olímpico! “Dar peadas, se
esbofetear, ficar se aloitando até no serão era sagrado depois de uma semana na
lida”.
O
que provocou as mudanças de alguns hábitos, mais respeito e melhor convivência
foi a moral cristã. Explico: ao chegar naquela praia, na década de 1930, o
padre João, o alemão, não se conformou com aquele quadro. Ao travar
conhecimento com os moradores, logo percebeu no jovem Almiro, o Nhonhô Almiro,
uma pessoa íntegra, capaz de uma tarefa da Igreja: ser o responsável por uma
capela naquela praia.
O
Nhonhô assumiu a missão: era analfabeto, mas andava com um caderno e um filho
(Salomão) que ia anotando as contribuições angariadas. Primeiramente passou
pelas casas pobres do lugar explicando como era importante ter um espaço
reservado para as orações, poder escutar
as mensagens da Bíblia e tornar a vida melhor.
Depois, ampliando o espaço, foi passando em outras praias e alcançou o
centro da cidade. Tudo era registrado naquele caderno, cujo responsável era o
menino. Conseguido o material, sobretudo telhas, os pitirões foram convocados. Desse
esforço abnegado nasceu, em 1940, a Capela São João Batista da Praia da
Fortaleza.
Depois
da capela pronta, o padre de visão civilizadora se lançou em outra empreitada:
implantar uma escola às crianças caiçaras naquele lugar. Dessa vez o tio Onofre, morador no jundu do Canto do
Cambiá, cedeu a sua casa, ou melhor, a sala assoalhada que servia aos bate-pés
(xiba, ciranda etc.). Pronto! Nasceu a escola! Anos mais tarde, com a venda da
casa para o turista Pierre, a casa da tia Martinha assumiu tal função. Nela eu
estudei no final da década de 1960. Era uma Escola Mista, e, na mesma sala, a professora
dava conta de três séries distintas. Bem mais tarde, a década de 1980, ela foi
para o prédio atual, na via de acesso ao Morro da Maria Bidu e à Praia Grande
do Bonete. Está onde era o Bananal do Sul, dos finados da minha avó Eugênia. É
preciso dizer uma coisa: antes de a escola existir, ficava a cargo de um
professor itinerante alguns rudimentos de alfabetização. Cada criança tinha um
caderno e um lápis como se fossem as armas do soldado de prontidão para a
guerra: bastava um toque de buzo
diferente, em um dia qualquer, para os pequenos se deslocarem até a praia e
receberem as lições. Depois restava cumprir as tarefas e ficar aguardando a
próxima ocasião que podia até durar meses.
Então,
a partir da escola e da capela, as pessoas foram se transformando na realidade
da nossa infância. Quer saber mais? Recomendo as poesias do mano Mingo e um bom papo com o tio Salvador.
Só
um ponto negativo nisso tudo: os dois alambiques faliram. A minha sugestão: que
ao menos um deles seja reconstruído, no lugar original, debaixo das jaqueiras
do Canto do Recife, para ser mais uma atração histórico-cultural.
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