Quem quer enxergar além da imagem? |
Continuando
a leitura da obra de Justo Arouca (Ubatuba – onde a lua nasce mais bonita),
recuperei da lembrança algumas injustiças ocorridas com o meu pai (Leovigildo Félix
dos Santos) e outros caiçaras na execução da estrada Caraguá – Ubatuba.
Estando
com quatorze anos, o meu pai e outros adolescentes (Arcendino Apolinário, João
Oliveira, Pedro Marinho, Benedito Oliveira, Laureano Francisco e Jaime
Oliveira) também foram trabalhar na abertura da estrada. Que narre o papai:
“Era um tempo
difícil. Não tinha trabalho além da pesca e da roça de subsistência. Quando a companhia
atravessou o rio da Mococa para avançar sobre a Tabatinga, nós começamos no
serviço da estrada.
O Mendes, que não
sabia escrever, era o feitor. O pagador era o Rubens.
No governo do
Adhemar de Barros as coisas andavam ruins. Quem trabalhava no D.E.R (Departamento
de Estrada de Rodagem) não tinha crédito nem para uma caixa de fósforos. Depois
que o Jânio foi eleito como governador é que as coisas melhoraram.
A gente pegava o
vale e trocava no Armazém do Santana, em Caraguá. Ele era genro do Miguel
Varlez, o administrador de obras do D.E.R. O
Santana ficava com 30% do vale, não dava dinheiro. Só dava outro vale para ser
gasto nas mercadorias dele. Fazer o quê? A gente precisava comer.
Foi um ano só de
vale! Todo mundo saiu. Houve uma sindicância. O pagador (Rubens) perdeu o
cargo.
Todos esses, da
minha idade, saiam do Sapê ainda de madrugada para o trabalho que era na divisa
com a Mococa, uma distância de sete quilômetros a pé. O serviço era arrumar
bueiros, fazer valas, construir barracão, cortar capim para os burros e outras
coisas mais. A gente só chegava em casa depois de escurecer. Desse pessoal só
ficou na firma o Arcendino, que era órfão de pai e não podia deixar de ajudar a
mãe. Ele foi contratado mais tarde; se aposentou pelo D.E.R. Agora já é
falecido”.
Podemos
concluir algumas coisas desse fato vivenciado por papai e os outros: a) O
progresso, em todos os tempos, se fez às custas dos trabalhadores (que muitas
vezes eram crianças e adolescentes); b) Diante de rostos marcados pelo
desgaste, é muito cômodo para a maioria somente dizer que “os caiçaras são
vagabundos”; c) Resgatar o que os mais antigos do lugar vivenciaram é uma forma
de, através da memória, construir outras possibilidades políticas; d) O
Justo Arouca foi admitido mais tarde, em 1956, mas certamente que, diante de
tais situações, ele também não acharia justo e até poderia citá-las em seu
livro.
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