Na série Anjos da Saúde, publicado no O Guaruçá, Nenê Velloso cumpre a sua
tarefa de nos ensinar sobre a cultura local. Está correto! Afinal, alguém já
disse que “uma história de vida não é feita para ser arquivada ou guardada
numa gaveta como coisa, mas existe para transformar a cidade onde ela
floresceu”.
Hoje, lendo os envolventes escritos do Nenê,
escolhi o relato da minha vizinha da Praia do Sapê, na década de 1960. A
Maria recupera ações de mulheres caiçaras nas questões de saúde, inclusive da
sua própria mãe e da minha vó Martinha, a parteira.
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Relato de Maria Cruz
Nasci em 48 e estas
pessoas povoaram minha infância: Dona Martinha, avó do Domingos, do Jairo,
entre outras menos conhecidas, era parteira. Fez todos os partos na nossa
região, desde que me entendi por gente. Até quando apareceu médico por aqui e
as mulheres ficaram mais “prosas”, aí as parteiras se acabaram. Herdou o dom
de Dona Maria Félix, santa criatura que me apresentou ao mundo em 1948. Era
uma parteira da Caçandoca, e Dona Martinha que morou lá aprendeu certamente
com ela o ofício.
Dona Martinha morava no
Sapé, depois foi para a Estufa, onde morreu. Também no Rio das Pedras, bairro
antes da Tabatinga, havia Dona Ana, que doou a área para a igreja católica
daquele bairro. Ela amparava nossa gente, por aqui, e igualmente era muito
querida. Homeopatia era com a Dona Quinina (Joaquina), mulher do Seu João
Pimenta, que tinha armazém no Sapé. Ela tinha um “livrão” que manuseava a
procura da “dose” a cada doença que lhe contassem. Tinha e vendia as doses
que preparava num vidrinho ou caçula de guaraná, e todos acorriam a ela e sua
medicação de “dose”.
Minha mãe, Ana Cruz,
oficialmente Ana Rosa das Chagas, atuou nesta época de dona Quinina, e foi a
primeira “enfermeira” daqui da região. E ainda hoje guarda seu “pedido-cópia”
de remédios, que era endossado pelo Seu Filhinho, e seus livros de
apontamentos. Quando prefeito o Dr. Alberto Santos, foi contratada através do
Senhor Vivi. Fazia de tudo: curativos, aplicava injeções e comprimidos antigripais,
dava “comprimido de ferro”, e outros remédios. Aplicava inclusive soro
antiofídico, que também tinha em casa. Abria ou espremia furúnculos, ajeitava
quebraduras, arrumava talas de bambu e tiras de pano usado e enfaixava até
sarar, e ainda ensinava a fazer os famosos “emplastos” de mato, São Joãozinho
e canema, que ajudava a curar o quebrado.
Minha mãe só não fazia
parto, isto era com Dona Martinha, e que, como todas as parteiras, fazia os
remédios para tal ocasião, as famosas “queimadas”, remédio para as
parturientes da época. Geralmente a parteira tomava a seus cuidados a
parturiente e seu filho até a primeira semana de vida, que era a mais
perigosa para o bebê, pelo mal de sete dias, que não me lembro ter ouvido
acontecer. Lembro-me da “vacina lizada anti-piogênica”, contra picadas de
insetos que geralmente traziam alergias. Tínhamos em nossa casa um armarinho
cheio de remédios farmacêuticos e alguns instrumentos simples que ela usava
em sua lide diária. Trabalhou durante treze anos, sem um dia de férias, a
qualquer hora do dia ou da noite e onde precisassem dela, lá estava minha
mãe, ou então atendia em nossa casa mesmo. Parou quando prefeito o Dr. Nélio,
quis transferi-la para a ASEL, e mamãe não aceitou. Através de Lei 486/08/77,
foi aposentada como pensionista, percebendo hoje um salário mínimo regional
ou salário mínimo brasileiro. Jamais recebeu qualquer outro valor sobre seus
tempos de serviço.
Sobre as benzedeiras,
não me perguntou, mas vou enumerar por primeiro as mais antigas que conheci:
1- Tereza Blaque, na Maranduba, xingava muito, mas todos a procuravam.
Morreu quando eu ainda era criança.
2- Rosalina Félix, na Maranduba, descendente de escravos da Caçandoca.
3- Minha tia Tatãe, ou Cândida Antonia de Morais, do Sapé, benzia mais
crianças.
4- Benedita Fermino, nossa amiga, do Sapé, todas no meu tempo de
criança.
5- Olivina, que veio da Praia Grande do Bonete, bondade infinita.
6- Sebastiana Maria, do Sertão da Quina, inclusive fazia as famosas
“garrafadas” e que hoje fazem, a meu ver, tanta falta, pois fé também cura.
Somente as duas últimas
benziam em meu tempo de adulta. Eram criaturas muito benquistas e eram
procuradas por todos.
Nota do Editor: Francisco Velloso Neto, é nativo de Ubatuba. Seus ancestrais datam desde a fundação da cidade. Publicado no Almanak da Provícia de São Paulo para o ano de 1873. Envie e-mail para thecaliforniakid61@hotmail.com. |
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
ANJOS DA SAÚDE
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