quinta-feira, 20 de setembro de 2012

ANJOS DA SAÚDE



Vovó Martinha, a parteira da mamãe e de muitas outras.
     
      
      Na série Anjos da Saúde, publicado no O Guaruçá, Nenê Velloso cumpre a sua tarefa de nos ensinar sobre a cultura local. Está correto! Afinal, alguém já disse que “uma história de vida não é feita para ser arquivada ou guardada numa gaveta como coisa, mas existe para transformar a cidade onde ela floresceu”.

      Hoje, lendo os envolventes escritos do Nenê, escolhi o relato da minha vizinha da Praia do Sapê, na década de 1960. A Maria recupera ações de mulheres caiçaras nas questões de saúde, inclusive da sua própria mãe e da minha vó Martinha, a parteira.

   
        Relato de Maria Cruz

        Nasci em 48 e estas pessoas povoaram minha infância: Dona Martinha, avó do Domingos, do Jairo, entre outras menos conhecidas, era parteira. Fez todos os partos na nossa região, desde que me entendi por gente. Até quando apareceu médico por aqui e as mulheres ficaram mais “prosas”, aí as parteiras se acabaram. Herdou o dom de Dona Maria Félix, santa criatura que me apresentou ao mundo em 1948. Era uma parteira da Caçandoca, e Dona Martinha que morou lá aprendeu certamente com ela o ofício.

        Dona Martinha morava no Sapé, depois foi para a Estufa, onde morreu. Também no Rio das Pedras, bairro antes da Tabatinga, havia Dona Ana, que doou a área para a igreja católica daquele bairro. Ela amparava nossa gente, por aqui, e igualmente era muito querida. Homeopatia era com a Dona Quinina (Joaquina), mulher do Seu João Pimenta, que tinha armazém no Sapé. Ela tinha um “livrão” que manuseava a procura da “dose” a cada doença que lhe contassem. Tinha e vendia as doses que preparava num vidrinho ou caçula de guaraná, e todos acorriam a ela e sua medicação de “dose”.

        Minha mãe, Ana Cruz, oficialmente Ana Rosa das Chagas, atuou nesta época de dona Quinina, e foi a primeira “enfermeira” daqui da região. E ainda hoje guarda seu “pedido-cópia” de remédios, que era endossado pelo Seu Filhinho, e seus livros de apontamentos. Quando prefeito o Dr. Alberto Santos, foi contratada através do Senhor Vivi. Fazia de tudo: curativos, aplicava injeções e comprimidos antigripais, dava “comprimido de ferro”, e outros remédios. Aplicava inclusive soro antiofídico, que também tinha em casa. Abria ou espremia furúnculos, ajeitava quebraduras, arrumava talas de bambu e tiras de pano usado e enfaixava até sarar, e ainda ensinava a fazer os famosos “emplastos” de mato, São Joãozinho e canema, que ajudava a curar o quebrado.

         Minha mãe só não fazia parto, isto era com Dona Martinha, e que, como todas as parteiras, fazia os remédios para tal ocasião, as famosas “queimadas”, remédio para as parturientes da época. Geralmente a parteira tomava a seus cuidados a parturiente e seu filho até a primeira semana de vida, que era a mais perigosa para o bebê, pelo mal de sete dias, que não me lembro ter ouvido acontecer. Lembro-me da “vacina lizada anti-piogênica”, contra picadas de insetos que geralmente traziam alergias. Tínhamos em nossa casa um armarinho cheio de remédios farmacêuticos e alguns instrumentos simples que ela usava em sua lide diária. Trabalhou durante treze anos, sem um dia de férias, a qualquer hora do dia ou da noite e onde precisassem dela, lá estava minha mãe, ou então atendia em nossa casa mesmo. Parou quando prefeito o Dr. Nélio, quis transferi-la para a ASEL, e mamãe não aceitou. Através de Lei 486/08/77, foi aposentada como pensionista, percebendo hoje um salário mínimo regional ou salário mínimo brasileiro. Jamais recebeu qualquer outro valor sobre seus tempos de serviço.

        Sobre as benzedeiras, não me perguntou, mas vou enumerar por primeiro as mais antigas que conheci:

1- Tereza Blaque, na Maranduba, xingava muito, mas todos a procuravam. Morreu quando eu ainda era criança.

2- Rosalina Félix, na Maranduba, descendente de escravos da Caçandoca.

3- Minha tia Tatãe, ou Cândida Antonia de Morais, do Sapé, benzia mais crianças.

4- Benedita Fermino, nossa amiga, do Sapé, todas no meu tempo de criança.

5- Olivina, que veio da Praia Grande do Bonete, bondade infinita.

6- Sebastiana Maria, do Sertão da Quina, inclusive fazia as famosas “garrafadas” e que hoje fazem, a meu ver, tanta falta, pois fé também cura.

       Somente as duas últimas benziam em meu tempo de adulta. Eram criaturas muito benquistas e eram procuradas por todos.

Nota do Editor: Francisco Velloso Neto, é nativo de Ubatuba. Seus ancestrais datam desde a fundação da cidade. Publicado no Almanak da Provícia de São Paulo para o ano de 1873. Envie e-mail para
thecaliforniakid61@hotmail.com.

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