terça-feira, 29 de dezembro de 2020

ESTRELA DA GUIA

 

Caminhos da Caçandoca (Arquivo JRS)

      Maria Galdino era filha de ex-escravos, na Caçandoca. Negra retinta, casou-se com Tolino, de igual origem. Otávio foi seu único filho. Era a capelã do lugar. Em todas as festas, que naquele tempo aconteciam nas casas, era ela quem puxava as rezas, tanto na nossa língua quanto no latim. São Pedro e São Paulo, Sagrado Coração de Jesus, Santo Antônio...em todas elas ela estava presente. Detalhe: todas as festas religiosas terminavam com danças que amanheciam o dia. "Era compensação da vida", segundo ela. No começo da década de 1990, Maria Galdino terminou seus últimos dias no asilo do Sertão da Quina. O mano Mingo foi quem fez um ótimo registro de suas falas para um trabalho acadêmico, de conclusão do curso de Geografia, na Universidade de São Paulo. Quem sabe um dia tenhamos um livro para que mais gente saiba dessa mulher caiçara de tanta importância. Quem sabe?

       "Meu pai era remador de canoa de voga. Estrela da guia era o nome da canoa maior da fazenda, com oito remadores e um mestre. Em cada banco iam sentados dois remadores, um de cada lado, com remos de mais de vinte palmos de tamanho. Trabalho duro, feito durante muito tempo pelos escravos, pelos pretos, a minha gente. Um mestre comandava eles. Aliviava só quando tinha vento, que se aproveitava a força dele na vela, pano que ficava mais no meio da canoa. Na proa era traquete, parecido aos dessas canoinhas de hoje. Havia uma cobertura, de pano de algodão, para abrandar o sol sobre os tripulantes e as coisas da embarcação. Papai conhecia desde Santos até lá para as bandas do Rio de Janeiro. Remava direto. De vez em quando passava um dia ou dois com a família, na Raposa, e contava das tormentas enfrentadas por eles, no mar.  De tudo vinha e ia por esses lugares. O senhor dele negociava cachaça, peixe seco, panela de barro, sal, peça de fazenda, farinha da terra, laranja, galinha... Naquele tempo, passava de vez em quando uma embarcação maior, o barco que diziam se mover a vapor, mas creio que só servia para quem tinha mais dinheiro". 


        Lá na costeira da praia da Raposa tem um pesqueiro: a Pedra do Tolino. Em outra ocasião eu falarei dela.

    

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