quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

TU VENS, TU VENS...

 

Bandeira ao léu (Arquivo JRS)


         Quem não conhece a música Anunciação, de Alceu Valença? Quem ao escutar a letra dela, não pensa no tempo chamado de Advento (da espera do nascimento de Jesus numa gruta de Belém) pelas pessoas católicas?

Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais

A voz do anjo
Sussurrou no meu ouvido
Eu não duvido
Já escuto os teus sinais
Que tu virias
Numa manhã de Domingo
Eu te anuncio
Nos sinos das catedrais…



    Tia Maria da Barra, a Tia Iaiá, morava ao lado do Nhonhô Armiro, numa casa de tijolos bem cuidada e cheia de flores ao redor, na praia da Fortaleza. Uma carreira de bastoeiros separava as duas áreas que começavam no jundu. Nós, crianças reinadeiras, passávamos no seu terreiro regularmente. Ela era dona de um jeito especial para explicar a doutrina católica. Sempre tínhamos paciência em escutá-la, principalmente pela motivação de ganhar deliciosas bolachas ao final de seus ensinamentos. Sempre aprendíamos com ela coisas inimagináveis.

 

     “Advento, crianças, é como se chama este tempo de dezembro, quando a gente se prepara para comemorar o Natal. São quatro semanas para marcar em nossas vidas as quatro vindas do Nosso Senhor Jesus Cristo: na carne, no espírito, na morte e no juízo”. Ela até explicou melhor cada vinda, mas faz tanto tempo que até deixou de ficar na memória. O que eu guardei de verdade, desde aquele tempo, foi a justificativa da titia: “O filho de Deus veio ao mundo para consolar os pobres, curar os enfermos, libertar os cativos e iluminar os ignorantes”.  Então, esse tempo chamado de Advento, depois daquela mensagem da titia, além da expectativa de Cantoria de Reis em nossas portas na madrugada, se tornou mais uma oportunidade de pensar a nossa ação de construção de um mundo mais justo; de uma autêntica vida comunitária. Valdemar Rossi, um militante sindical católico da capital paulista, complementou um dia: “Se não considerarmos o Advento como oportunidade revolucionária, seremos hipócritas. Todos que acreditam na mensagem de Jesus precisam cultivar uma ação política coerente, de libertação”

 

     Gente nossa, igual a saudosa Tia Iaiá, são responsáveis pela tradição da religiosidade popular tão marcante na nossa cultura caiçara. No Advento acontece as Cantorias de Reis (Reisado) pelas casas. Acabei de ler que o Paulinho do Paru, pescador no canto da Prainha do Góis, está  inquieto, na espera das bênçãos para a canoa e a rede. Essa devoção, antes presente em todas as comunidades, se encerra no Dia dos Santos Reis (seis de janeiro). Depois disso, em outros tempos, as folias faziam uma cantoria festiva no dia dois de fevereiro, quando se comemorava a festa de Nossa Senhora das Candeias. Agora já não acontece mais.

               

      Tu vens, tu vens/Eu já escuto os teus sinais.

      Que os teus sinais sejam de esperança. Que teus sinais sejam de

transformação.

 


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