segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

A RIQUEZA DA VARGEM

Coco azedo (Arquivo JRS)

          Hoje falarei de várzea, das nossas vargens em Ubatuba.

          As vargens são espaços que passam boa parte do ano alagadas, tendo suas lagoas que nunca desaparecem, sendo ocupada por animais e plantas bem específicas. Hoje, não é fácil divisar uma vargem no nosso nosso litoral. Foram ou serão aterradas para empreendimentos imobiliárias. Cágados, saracuras, mão pelada (guaxinim) e tantos outros seres nem se veem mais na quantidade de antes. Ou deixaram de existir! Caxetas, orquídeas, tucum era demais nesses espaços. Na verdade, a maioria da geração atual, essa moçada sadia, talvez tenha conhecimento de um monte de coisas apenas na telinha de algum aparelho eletrônico (televisão, computador, celular).  Que pena! Comentarei agora a respeito do tucum, uma espécie de palmeira baixa que nos alimentava com seus cocos azedos num período do ano. Era abundante nas áreas encharcadas, mas também pontuavam em touceiras pelos morros, junto com coco-baga, outra raridade.

        A casca dos frutos do tucunzeiro são azedos mesmo, do tipo de deixar dentes amortecidos! Depois de maduros, eles ficam doces e assumem um tom roxo, próximo do das jabuticabas. Lindos! Só que se tornam duríssimos. É preciso dar uma cozinhada para poder quebrar a castanha e se aproveitar do miolo. Assim se procedia para poder comer o coco nessa etapa: depois de separado das castanhas, as amêndoas  seguiam para o pilão onde eram socadas e misturadas com farinha de mandioca. Pronto! Estava preparada a farofa de coco para tomar com café. O mesmo processo tinha de acontecer com outros cocos (indaiá, pindoba, brejaúba que passou do ponto...).

        Na minha infância, a gente coletava coco azedo uma vez por ano. Era fartura; hoje falta. Um tempo desse encontrei um tucunzeiro carregado. Tirei um cacho para levar e apresentar à minha filha e ao meu filho. "Experimentem. Sintam o azedo da casca. Se sentirem que está duro, deixa que eu quebro com o martelo. Fazia parte da nossa dieta caiçara numa época do ano. Agora, pouca gente conhece, quase não se vê mais. Quando o avô de vocês era criança, das folhas de tucum eram retiradas uma fibras que, depois de torcidas, viravam linha de pesca. Um dia trarei umas folhas para lhes mostrar como se  fazia. Comer coco de tucum, fazer linha, se alimentar de bichos que abundavam nas vargens etc., são nossas raízes tupinambás, crianças. Vovó Martinha, quando sabia de alguém com pneumonia, receitava comer apenas carne de cágado. Dizia que era bom porque eles comiam muito coco azedo. Era remédio-alimento que só tinha em vargem. Zé Biaco, meu primo, exímio pescador de cágado, era quem atendia aos pedidos da vovó. Eu apenas o seguia como acompanhante, afundando as pequenas pernas na lama preta nos caminhos da vargem. Sabem qual era a isca? Um peixe, geralmente lambari, no anzol, era o que bastava para atrair aquela espécie de tartaruga de pescoço torto".

 

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