terça-feira, 20 de abril de 2021

UM CAIÇARA QUE DEU CERTO


       Eu escolhi uma ilustração do saudoso Henfil porque, de repente, identifiquei uma mensagem essencial: é a Constituição, lei maior  de um país, que vai garantir as possibilidades de maior felicidade de seus habitantes. Portanto, a participação popular precisa acontecer, senão há até o risco de uma guerra civil por conta das injustiças gritantes. A última Lei Maior deste Brasil, aprovada em 1988, foi a mais participativa de todas. Ainda bem! 

      Comecei assim para mostrar que, dependendo das leis que regem uma sociedade, a possibilidade de justiça para todos pode ser maior ou menor. A elite atual, em sua maioria, tem raízes em grandes famílias latifundiárias que mataram e tomaram terras indígenas, em escravistas e outros similares que estavam plenamente apoiados em leis de outros tempos. Seus herdeiros continuaram em iguais práticas; sempre tiveram legislações favoráveis a status derivados da cobiça histórica; se esforçam até o presente tempo para a perpetuidade e aperfeiçoamento dessas mesmas leis. Não é por acaso que tantos políticos são bancados por imensas riquezas. (Cabe aqui outro viés do ditado "filho de peixe peixinho é"). Até contaminaram os empobrecidos com sua ideologia. 
      
       Em texto pretérito, eu escrevi que o advogado e inventor Gastão Madeira, filho de Ubatuba e homenageado com nome em rua no centro desta cidade, sentia orgulho em se apresentar desta forma: "Sou de Ubatuba. Um caiçara que deu certo". Cabe aqui ao menos três questionamentos: Apenas o fato de ter nascido aqui o tornava caiçara? O que é dar certo? Será que pouquíssimas pessoas dão certo?  Dirão muitos que dar certo é ficar rico, ser doutor etc. É quase certeza ser esta a concepção presente na fala do Gastão, um dos pioneiros da história da aviação, morto em 1942. Ser caiçara é pertencer à cultura local. Ele só nasceu aqui! Não precisou permanecer dependendo da pesca, da roça e das condições do tempo. Sua família teve condições de deixar a cidade que, após o ciclo do café, estava estagnada na pobreza; pôde seguir satisfeita em outros lugares, longe daqui. Tinha posses. Portanto, aqueles que ficaram aqui, sem chances de estudar, de viajar e de acumular riquezas, não deram certo? Continuando na provável concepção dele: as leis contidas na Constituição da época garantiam a mínima preocupação com a maioria da população do país em termos produtivos, para assegurar a riqueza de poucos. E aqui retorno à ilustração, à expectativa genial do artista mineiro que tão cedo nos deixou: à degradação da Pátria, causada por uma elite egoísta, o engajamento dos demais habitantes, dos explorados, escreverão uma Constituição capaz de justiça social e de uma renovada sociedade. É a utopia nossa de que todos darão certo porque serão felizes. A felicidade não será respaldada apenas a uma minoria. É urgente reconstruir essa Bandeira.

Em tempo: ainda não encontrei nenhum estudo que mostrasse o número de famílias que abandonaram o nosso lugar devido ao fim do ciclo cafeeiro no litoral, em Ubatuba. Mas é certo, comprovado nas imagens antigas, que os portentosos sobrados ficaram abandonados, foram se arruinando no decorrer dos anos.

2 comentários:

  1. Que bela reflexão, Zé! Parabéns por tanta lucidez neste tempo de trevas,no qual um lunático é mitificado por milhares de tontos. Se lessem textos como esses e os entendessem, não seriam enganados tão facilmente como o são.

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  2. Gratidão, Jorge. Grande abraço a você e sua família.

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