O Adelino morava perto da praia (Arquivo JRS) |
Ismael foi um dos pescadores que morreu na tormenta, quando eu ainda era pequeno. Eles estavam no mar, pescando, no mês de outubro, conforme dizia o meu pai, "quando o seu irmão nasceu". Foi um vento muito forte. Se até barco motorizado sucumbiu, imagine as canoas da nossa terra!
Ismael era pai da Nair, então esposa do tio Tião. Moravam bem no coração da praia Grande do Bonete. Dona Isabel ficou viúva por um tempo; não demorou muito para se reorganizar na vida com o João Nanico, padrinho da mamãe. A vida seguiu. Depois de uns anos, em ocasião de festa de Sant'Ana (em julho, na capela), eu acompanhei a vovó. Saímos da Fortaleza na metade da tarde, pois queríamos descansar para aproveitar melhor do evento, o segundo mais concorrido daquela comunidade, depois da de São Sebastião, em janeiro. Ficamos hospedados na casa do referido tio. Naquele tempo, as únicas luzes, além do luar, do céu estrelado e dos vaga-lumes, eram as lamparinas à querosene e alguma vela iluminando oratórios em momentos de preces. Nos caminhos escuros, de raízes e pedras, eram comum dar topadas e esfolar a cabeça de dedos. Mas nada nos desanimava de uma boa festa!
Depois de tudo, alegres e bem cansados, eu e vovó fomos acomodados num quarto, cuja janela dava para o primeiro pé de cambucá, uma frondosa árvore que dava seus maravilhosos frutos no começo do ano. A vó era medrosa; o neto também. Deitamos, mas o silêncio não queria dizer que estávamos dormindo. De repente, um som discreto dentro do quarto, como um vento que se avolumasse. Ouvi um grito distante, mas vinha de dentro daquele vento. Me arrepiei. O cobertor precisou ser segurado para não sair de cima de mim. Parecia até que alguém puxava. "Ai, meu Deus". Não sei quanto tempo aquilo durou, mas teve um momento final. Notei que voltei a escutar os grilos lá fora, a água da cachoeira dali de perto e os pássaros da noite se manifestando. Vovó riscou um fósforo, acendeu a lamparina e foi para a sala. Eu continuei quieto. Notando a sua demora, me dirigi silenciosamente ao cômodo que estava iluminado, olhei da porta. Vovó estava ajoelhada defronte ao oratório da casa. Ficou bastante tempo ali, em oração. Voltei a dormir. No dia seguinte, subindo o morro de volta à Fortaleza, ela comentou da noite passada: "Você dormiu bem, Zezinho. Ainda bem! Apareceu uma assombração no quarto. Acho que era a alma do finado Ismael querendo dizer alguma coisa. Eu rezei em sua intenção porque achei que ele pedia oração. De vez em quando essas coisas acontecem. Não foi a primeira e nem será a última vez". Eu só escutei, não fiz nenhum comentário. Hoje, confesso, senti muito medo naquela noite. Abraços à querida tia Nair e ao tio Tião Armiro.
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