sexta-feira, 23 de abril de 2021

PARCEIROS EM FUGA

 

Ilha do Prumirim (Arquivo JRS)

      Quando eu estava por volta de vinte anos de idade, o meu amigo Zé Marques, cujo pai foi pedreiro no presídio da Ilha Anchieta, me falou de um livro que eu nunca poderia imaginar: Joatão e a ilha. Me pus a procurar esse romance ambientado na revolta ocorrida ali em 1952. Foram anos de busca. Um dia, quando eu menos esperava, na sala dos professores da escola Deolindo, apareceu o estimado Jorge com um exemplar e me presenteou: "Estava ali, no pátio, para alguém pegar e levar embora. Foi descartado da biblioteca". Que maravilha! Fiz bem em expressar a tanta gente que buscava tal obra literária! Ainda bem que o meu amigo adora os livros! Hoje transcrevo uma página dessa obra que fala de lugares bem familiares, quando um grupo de fugitivos almeja chegar ao Ubatumirim e pegar a trilha que, pelo sertão do Pasto Grande, pode levar até Paraty.

   Joatão reabriu o mapa. A Ponta do Respingador ficara para trás, aproximando-se da Ponta da Jamanta. As lindas praias da orla se sucediam, os penhascos também. Despontou em toda a sua extensão a beleza  agreste da Praia de Itamambuca. Para o lado do alto mar viam-se diversas ilhas, três maiores - Rapada, das Couves e Comprida - perfeitamente reconhecíveis. À frente a esperada Prumirim com seu canal estreito separando-a do continente: a Anchieta [lancha] passaria ao meio do canal, penetraria a Enseada de Ubatumirim.

  - Estamos indo em linha reta - disse Negrinho - e com boa velocidade. Temos gasolina para ir mais para cima. - O piloto improvisado parecia estar gostando da navegação. - Costear por lá...

   Joatão esclareceu:

  - É o Saco das Andorinhas.

  - ... e largar a lancha mais perto do Rio de Janeiro!

 Era demais a pretensão. Ferreira amuou. Não sentia forças sequer para intervir. Lino ficou em dúvida, semi-perdido, destituído de condições de mando.

   Foi Joatão quem definiu a situação:

  - O nosso mapa termina um pouco além desse Saco das Andorinhas. Dali para a frente teremos de navegar adivinhando o litoral. Acho interessante desembarcar o mais longe possível, escapar dos limites do Estado de São Paulo, sumir em qualquer praia do Estado do Rio.

  Ferreira ouvia desconsolado. Lino dava ares de quem pensava, mas em verdade tinha o pensamento perdido na bruma do elemento estranho para ele que era o mundão de água em derredor.
  - Existe um problema - retornou Joatão. - O barco Andorinha há muito tempo já chegou a Ubatuba...
   - Ah! - fez o Lino. - Aqueles chatos já visaram da fuga.
   - Sim, é o que penso. Se tentarmos mais para cima poderemos ser surpreendidos...
     
Em tempo: quem escreveu Joatão e a ilha foi José Fonseca Fernandes, no ano de 1966.

Um comentário:

  1. Olá, Zé! Procurei na internet e esse livro à venda com este comentário: Joatão e a Ilha: Neste romance, que marca a sua estréia na ficção, narra José Fonseca Fernandes uma dramática história de presidiários e a movimentada fuga em massa, de mais de uma centena deles, da extinta Colônia Correcional da Ilha Anchieta, no litoral paulista. JOATÃO E A ILHA é mais do que a odisseia vivida pelo jovem presidiário João-Sebastião de Azevedo o Joatão no meio de facínoras de toda espécie na lendária ilha-presídio: é a própria crônica, revestida de pungente espanto, de milhares de sentenciados que padecem nos cárceres do mundo. Livro usado, em excelente estado de conservação. Autografado. Obs: Há uma sutil marca de dobra na capa.

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