Estevan, tio Neco e tio Aristides (Arquivo JRS) |
Avistei a fotografia de uns anos atrás. Olhei as duas gerações. Notei que eu, o fotógrafo, me encontrava no meio, entre meus tios e meu filho. Ou seja, três gerações estavam ali. Corrigindo: a neta da minha prima chegou logo mais. Portanto, quatro gerações se faziam presentes. Pensei nas palavras que possivelmente não ficam totalmente esclarecidas numa prosa assim, com a presença de diferentes gerações de caiçaras. Lembrei-me do meu amigo Hélio, de Santo André, após uma visita que fizemos ao tio Dito, há muitos anos: "Naquela hora que você conversava com o seu tio, estava difícil de entender do que falavam".
Logo de entrada o tio Aristides, agora falecido, citava "um banzeiro que acabou com a minha vontade de ir pescar. A barra está transbordando até no terreiro da casa do Chico Romão. E o tempo ainda vai continuar ruim desse jeito. Uma barranceira de nuvem esponjosa e esbranquiçada garante chuva ainda por uns três dias. Vede a barranceira lá nas bandas da Água Branca?". E o tio Neco rebateu sorrindo: "Mas... Aristides, barranceira também pode ser o barranco do rio, aquela beirada coberta de mato onde os emborês, acarás e lambaris se escondem. Até cágado fica por ali". E perguntou em seguida: "Você se lembra do balseiro que ficava na boca da barra para passar gente no tempo em que ainda não havia a estrada e as pontes?". Expliquei, então, aos mais novos da sala, que balseiro era presença obrigatória nas praias, onde estão os rios mais largos. Uma pessoa, devidamente acertada pela autoridade municipal, ficava fazendo a travessia dos transeuntes nesses rios (Maranduba, Praia Dura, Puruba...). Moradores ou viajantes eram transladados com segurança, em batelões, sem precisar se molhar. Simples assim.
Então perguntei: "E o que é coração magoado?". "Essa é fácil, mas não sei se os mais novos sabem", rebateu o tio Aristides. Ninguém sabia. Tio Neco completou: "É aquela batata roxa, bem escura. É bem doce. O finado tio Totô só tinha dela em seu roçado. Agora quase nem se vê mais. Será que acabou?".
Como eu pensei: a linguagem é semelhante a um rio, se renova sempre. Mas vale a pena viajar de vez em quando por ela para notar coisas que vão passando e podem desaparecer de vez da nossa memória. Foi ontem isso, mas... a mode que tem tanto tempo!
Banzeiro é uma palavra que meu pai gosta de empregar para se referir a alguém que está jururu,sorumbático, deprimido. Banzo era uma doença que atacava os escravo, saudosos de sua terra natal.
ResponderExcluir