Mastro de São Benedito em Martim de Sá (Arquivo Caraguá) |
O ano era 2008. Certa vez, estando folgado na praça defronte da igreja matriz de Caraguatatuba, avistei um senhor sozinho sentado tranquilo num banco. De vez em quando alguém passava apenas cumprimentando-o, mas tinha também, vez ou outra, alguém que parava para "um dedo de prosa". Cobicei isto. Me aproximei porque eu também gosto de conversar, sobretudo quando a pessoa é idosa e parece ser gente do lugar. Manoel Herondino era o nome dele. Soube que, num tempo bem antigo, seu avô veio com a família da Caçandoca e se estabeleceu na praia Martim de Sá, onde nasceram as gerações posteriores. A pesca e a roça eram os meios de vida até recentemente. Pensei: "Quer ver que ele ainda é parente meu?!". Batata! Era gente da tia Astrogilda, por parte do pai dela. A mãe era do morro da Raposa. "O tio Anastácio morava perto de nós", dizia o meu pai. Daí a prosa foi longe. Ele conhecera o vovô Estevan, o tio Ezidio e essa parentada toda da Caçandoca. Que legal!
Tendo apreciado recentemente uma fotografia antiga da praia em que ele continuava morando, perguntei sobre um mastro que vi , perto de um rancho, no jundu. Então ele se animou mais ainda na prosa:
"Tinha sim. Era um mastro de São Benedito. Todo ano era renovado, vinha do mato um pau novo para entrar no lugar do outro. Era uma festa muito concorrida; vinha gente de todo lado. Muitos dos parentes da Caçandoca compareciam, eram animados nas cantorias e nos tambores. Vovô dizia que São Benedito era querido por ser como nós, gente preta, e por ter salvado muita gente numa ocasião do tempo antigo, quando traziam escravos do outro lado do mar, da África. Foi assim: um navio por nome de São Benedito vinha carregado de cativos. Quando faltava pouco para chegar na Bahia, a embarcação naufragou. Foi um desespero só. O imenso mastro quebrou e ficou flutuando. E todo mundo que estava consciente se agarrou nele. Assim se salvou quase todo mundo. Em agradecimento pela graça, todo ano acontecia em muitos lugares a festa de São Bendito, onde um mastro seguia em procissão, com rezas e cantorias. Era uma coisa que unia a comunidade, sobretudo os negros que reavivavam a memória desse feito do santo. A música principal tinha uma parte que se repetia depois de cada verso. O povo seguia dançando e carregando aquele imenso pau devidamente pintado pelo festeiro escolhido a cada ano. E ia repetindo alegremente: 'Olha o mastro de São Benedito/ Ele é grande, santo e bonito'. Por fim, entre foguetórios, ele era enterrado no jundu. A festa continuava com danças, comidas e bebidas. Varava a noite. De longe, quando a gente vinha da pesca, o mastro servia de referência, aonde queria chegar. Coisa sagrada, rapaz".
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