Praia da Figueira (Arquivo JRS) |
Dia bonito, claro. Amanheci bem disposto, firme em meu intento de ver os parentes do lado sul: Henrique e Maria, Zequinha da Paulina e João Quintino. Um fim de semana é pouco para ir das Galhetas até a Ponta Aguda. Uma manhã inteira, ali na Figueira; comecei degustando café com farinha e peixe assado. Henrique Quintino e Maria, contentes com a visita, me contaram das últimas notícias, dos filhos que não querem mais que eles continuem morando naquela praia, longe de tudo (mercado, médico...). Em seguida fomos colher fruta conde (ou pinha). Coisa deliciosa! Depois, com a maré seca, Henrique já foi pegando um balaio e uma ferramenta para mariscar. Me convidou. Lógico que fui junto! Ali, no canto esquerdo, os mariscos ficam no raso, numa água que parece de lagoa, sem risco algum. Fazia pouco tempo que a Odócia havia morrido, na costeira da Lagoa, quando mariscava com a Dirce. Uma onda a arrancou das pedras. Lugar perigoso. Que mulher! Uma caiçara de muita fibra, cunhada do Henrique, esposa do Aristeu. No almoço comemos marisco cozido, do jeito que veio da costeira, com arroz e feijão. Voltamos a relembrar de outros momentos que vivemos juntos, quando mais gente morava naquele lugar. Desta vez não me demorei, nem dei aquela cochilada sagrada debaixo do abricoeiro do jundu, pois pretendia ir até a casa do Zequinha para a prosa da tarde e o café na tranquila Ponta Aguda.
Praia da Ponta Aguda: cheguei pelo canto, no caminho que desce acompanhando a costeira. Deserta...assim parecia. Logo avisto alguém vindo do outro canto. Pelo balanço do corpo sei que é o Zequinha. Sorriu de longe ao me reconhecer. "Fui armar o cumbu. Agora é tempo de raposa gorda". Bem perto, logo ali, junto a um mandiocal, ficava a sua pequena casa. Desde que a mãe falecera, dizia ele, "é só eu e Deus". A nossa prosa chegou ao serão e foi noite adentro, depois do jantar. Naquele sossego eu pernoitei. Ah! Ia me esquecendo! Houve um intervalo para ir até a praia Mansa e armar o tresmalho. Em outros tempos nunca seria possível imaginar, em tempo bom, a nossa gente deixar de ir em busca do peixe nosso de cada dia. No dia seguinte perdi a hora. Quando a claridade entrava pelos vãos da telha, escutei barulho no tanque: era o meu anfitrião que já consertava uns peixes. "Nossa! Já foi visitar o tresmalho?". Eu não devia me admirar, pois desde criança vivi momentos desses. Depois de um café, me preparando para subir a estrada até onde morava o João Quintino, o meu parente informou: "Vai perder a viagem: o João saiu no escuro para a Tabatinga". "Como você sabe?". "Quando passou lá em cima, no caminho, ele deu três assobios, me avisou".
Eu até tinha me esquecido desse costume deles e de tantos velhos caiçaras que se comunicavam com assobios. Me conformei. Pedi que entregasse minhas lembranças ao primo. Agora só os dois moram na Ponta Aguda. Os demais foram enxotados pela violência do Zé Palmeira, um jagunço a serviço de importante grupo que pretendia tornar todas aquelas terras um condomínio de ricaços, tal como Laranjeiras, antes da praia do Sono. Nem esperei para o almoço. Voltei para casa com algumas embetaras para a semana. Valeu visitar mais uma vez esses meus parentes. Valeu muito!
Coisa boa essas nossas prosas! Agora são lembranças!
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