Araçá vermelho: quem já experimentou? Mas eu prefiro o amarelo. |
A
minha tia Aninha, mulher de grande simplicidade e sempre disposta nas tarefas
inevitáveis da sobrevivência, em certa ocasião, mesmo adoentada, me recebeu,
como de costume, muito acolhedora.
Meio
que sentada em sua cama, ela, com um semblante sereno, especulou por todos da
nossa família, principalmente pela mamãe. Em seguida elencou as suas
preocupações: uma galinha estava chocando na gamela da prensa, na casa de
farinha; o mato em volta da casa e também no mandiocal precisava ser carpido.
Nem se esqueceu da capela que necessitava de uma arrumação para a festa de
junho que se aproximava.
Ainda
ela dizia as suas preocupações quando, no radinho sobre a mesa, uma música
popular tradicional deu outro rumo à conversa. Comentou: “O importante numa
canção é a beleza da letra e a melodia”. E continuou, agora de olhos fechados,
como se falasse embalada pela composição:
“Nesta
noite passada eu tive um sonho bonito com o Maneco: ele estava daquele
jeito mesmo, ou seja, sempre ativo,
atento a tudo, querendo tudo no lugar e implicando sempre com pouca coisa.
Assim
que me viu, me chamou para andar e ir ver uma coisa na roça. Eu fui sem falar
nada, só reparando no caminho já conhecido com muitos tinhorões brilhantes e
margaridinhas amarelas. Também reparei nas tinticuias floridas, parecendo uma
colcha em rosa e branco por todo o morro. O velho pé de araçá vermelho estava
carregado de frutas, se oferecendo para quem quisesse daquelas delícias.
Não
andamos muito, mas eu já estava cansada. Nisso o Maneco, mostrando a moita de
guaco também florida e cheirosa, disse: ‘Lembra-se dela, Ana? Desde o nosso
casamento ela está aí; foi o nosso remédio tantas vezes. Quero que você colha
uma braçada de flores e leve-a para a nossa filha Nélia. É o remédio que ela
precisa para ter paz em casa’. Depois de
dizer isso, ele se foi por um caminho todo florido. Eu voltei sozinha para casa;
acordei agora mesmo. Nesta horinha!”.
E
nós continuamos a prosear quando alguém adentrou pela porta escancarada da
cozinha. Era a prima Nélia, a sua filha. De lá mesmo ela exclamou:
“Que
ramalhete bonito e cheiroso de flores de guaco! Tá lindo no vaso! Quem foi que
trouxe para a mamãe?”
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