Em seu livro Ubatuba documentário, Washington
de Oliveira descreve uma passagem que eu sempre achei impressionante. É um
relato de uma peça teatral exibida no teatro local em 1890, por ocasião do
lançamento da pedra fundamental da futura estação da Estrada de Ferro Norte de
São Paulo, que deveria ligar Ubatuba a
São Bento do Sapucaí, cortando o Vale do Paraiba por Taubaté. Era a esperança
de que Ubatuba acordaria!
“Essa
apoteose idealizada e preparada com o maior carinho, transcorreria, como de
fato transcorreu, da maneira seguinte: ao descerrar-se a cortina, o cenário
representaria uma paisagem marítima. Ao fundo, o mar, de cujas águas na linha
do horizonte o sol emergia radiosamente; à direita, um bosque verdejante
pontilhado de flores multicores; à esquerda, estendia-se alvacenta praia, onde
sobressaía uma grande concha, rotunda, fechada, repousando sobre a areia.
Aberto
o palco, da direita, com grande estrépito entrou em cena uma locomotiva,
arfando, silvando o apito e bimbalhando o sino. A assistência vibrou! Palmas,
muitas palmas. Todos de pé. Vivas! Fogos de bengala transmudavam o colorido da
cena! A Banda Musical, dentro do Teatro, rompeu vibrando o Hino Nacional e lá
fora, na rua, estrugiu uma salva de vinte e um tiros, ecoando forte na calada
da noite! E a concha, foi-se abrindo, lenta, mui lentamente, deixando ver
dormitando em seu seio, uma loira criança, envolta numa túnica branca
ostentando uma faixa escarlate a tiracolo onde se lia, com letras douradas, a
palavra UBATUBA. Com toda aquela vibração, com todo aquele estrépito, a criança
acordaria, erguer-se-ia, e de pé, agitando no ar uma palma verde –verde-esperança
– gritaria: Viva Ubatuba!
Mas
acriança não acordou.
Mais
barulho, mais apito, mais palmas, mais vivas, mais clamor... e ‘Ubatuba’ dormia
tranquila, imperturbável, com em torpor de uma opiáceo!
Todo
o ruído, toda a vibração de há pouco foram se arrefecendo. As faces risonhas de
uma plateia alvoroçada foram se contraindo em rictos de decepção e de tristeza.
E um silêncio profundo caiu pesado dominando tudo.
Um
‘casaca de ferro’ não se conteve: entrou em cena, balançou a concha... e nada! ‘Ubatuba’
dormia... Numa última atitude, tomou a criança em seus braços e voltou aos
bastidores, mal disfarçando lágrimas que marejavam seus olhos.
Um
a um, pouco a pouco, deixando o Teatro, todos voltaram aos seus lares, levando
dentro da alma o presságio de que ainda daquela vez Ubatuba não acordaria.
Pressentiam que a Estrada de Ferro, em pleno andamento de construção não
chegaria ao seu término e Ubatuba não se ergueria para retomar resoluta a
trilha do progresso”.
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