Um dos encontros da irmandade caiçara do meu lado materno. |
Na
década de 1980, deixando a praia das Toninhas, dona Gertrudes, a vizinha da
dona Dorcelina, vem morar no centro da cidade, mais exatamente na Rua Ponciano Eugênio
Duarte, na margem do Rio Grande de Ubatuba, “o lugar de muitas ubás”, nas
proximidades da Aratoca.
Como
todos os velhos caiçaras, ela faz questão de manter muitos dos traços culturais
que herdou. “Isso é a razão da nossa vida. É a nossa alegria”. Esta é a sua
significativa expressão nas ocasiões em que faz questão de acolher a Folia do
Divino, oferecendo um autêntico almoço caiçara aos foliões e seus convidados. Como
católica, essa é parte de sua devoção que não pode faltar. Assim foi no sábado,
anteontem, quando depois da Acolhida
e antes da Despedida do Divino
Espírito Santo, todos puderam se regalar com tainha seca e batata doce, pirão,
doces e outras tantas iguarias da nossa culinária. Tudo regado com uma boa e
simples prosa. Bons momentos! Inesquecíveis momentos! De acordo com a mana Ana,
“todos se regalaram”. Importante: o preparo e a secagem dos peixes seguem a
tradição e é a própria dona da casa quem realiza todas as etapas com todo o ritual
característico.
Os
gestos da dona Gertrudes (vó do Rodrigo e do Rogério Estevenel) que resguardam, dentre outros aspectos, a nossa
musicalidade, nos remetem às nossas raízes, faz retomar um texto da Kilza
Setti, em seu livro Ubatuba nos cantos das praias, onde se lê:
“A posição do
caiçara em relação à conservação do acervo cultural que lhe ficou de herança é
muito clara. É como se houvesse nichos culturais de proteção, onde se guardam
recortes de um fazer musical ancestral, celebrado e repetido somente quando na
certeza de estar ao abrigo de profanações, zombarias, ou tratamentos ostensivos
de desprezo. Este parece ser um traço bem nítido de uma população caracterizada
como intersticial, atualmente sem espaços físico e cultural próprios; sem uma
situação definida junto à sociedade maior e, por isso mesmo, difícil de ser
avaliada em termos de censo. [...] é certo que muitos indivíduos cujo estilo de
vida e cuja cultura poderiam ser classificados de ‘rústicos’ vivem na cidade e
desenvolvem práticas musicais ligadas à tradição caiçara. Esse pequeno segmento
fixado na cidade e nas cercanias dela tem consciência de que pode ser
vulnerável a críticas. Daí as precauções quanto à divulgação de suas tradições”.
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