domingo, 8 de novembro de 2020

BRASAS VIVAS

 


Pessoas amadas, na nossa sala (Arquivo JRS)


           Eu gosto de sempre olhar os arquivos fotográficos que temos guardados com carinho. Sempre é oportunidade de rever imagens de pessoas e relembrar de situações vividas faz tempo, mas que deixaram suas marcas. Muitas desses momentos registrados foram no quintal da nossa casa ou na nossa sala, onde festejávamos aniversários da Maria e Estevan desde o primeiro ano de vida deles. Também a sala da casa é o espaço por excelência de boas prosas e de risadas com gente nossa, a quem estimamos muito.

          Da minha primeira moradia, no Sapê, onde nasci pelas mãos da vovó Martinha, a parteira, tenho pouca lembrança. Só me lembro bem do tanto de espaços que tínhamos para brincar ao redor: o areião da tia Rita Carlota na porta da sala e a mata do João Paulo na porta da cozinha, o brejo do Leôncio mais abaixo, na direção da praia, e, o mandiocal do vovô Estevan mais acima, na direção do morro. Somente a dona Jorgina do Andrelino criava caso com a gente por brincar perto da cerca viva dela. Dela nada restou além da rabugice.  Já na segunda casa, concluída em pitirão, no morro da Fortaleza, havia uma sala grande e um banco pobre, três quartos e uma cozinha que eu adorava devido ao cheiro de comida. As portas não tinham fechaduras. As janelas também não. Tudo era fechado com tramelas. Quando a gente saía e não ficava ninguém em casa, a porta era amarrada por fora com pedaço de corda enrolada num prego no batente. Ao amanhecer, a claridade chegava junto com os piados dos passarinhos, pelos vãos das telhas, porque nem se sonhava em forro. Depois vieram as duas casas alugadas, onde nos fizemos adolescentes, no Perequê-mirim: todas simples, entre gente estranha, que não fazia parte nem dos parentes mais distantes. Finalmente, no bairro da Estufa, próximo do centro da cidade, meu pai, com a ajuda nossa e de amigos, ergueu a nossa casa própria. A moradia atual, no bairro do Ipiranguinha, é o Nossa Lar! Eu e a minha Gal demos um duro para  adquirir o terreno e ir aos poucos edificando a casa que temos hoje. Ela acolheu nossa filha e nosso filho. Ela continua recebendo as pessoas que gostamos. Ela abraça nossas amadas e amados por mais de duas décadas. De vez em quando recebe uns reparos para mantê-la acolhedora e protetora sempre.

         Passando por todas  as casas, as coisas foram mudando. Na atual, nem se escuta sapo. As noites não têm mistérios porque as luzes elétricas os enxotaram para algum lugar. Apenas um cheiro de madeira queimada, vindo da casa do João e da Maria, vizinhos do outro lado da rua, me faz recordar do tempo em que usávamos fogão que queimava lenha. Parecia que comida feita nele era mais gostosa, mesmo que apenas usando uma pequena variedade de temperos. Me recordo que, ao acordar, quase sempre ainda havia alguma brasa viva para recomeçar o fogo fervendo água para o café. As cinzas, de vez em quando, eram ajuntadas e espalhadas pelas plantas. 

       As fotografias que periodicamente vasculho são como as brasas ainda vivas entre cinzas no amanhecer. Elas acendem o fogo da memória e me trazem alegrias e energias para cada dia nesta vida. Por onde estiverem, minha gente querida, recebam tudo de bom que lhes desejamos a partir daqui, do nosso lar.








Nenhum comentário:

Postar um comentário