Aquarela da Má (Arquivo JRS) |
Escuto um falatório na rua, parece em frente ao portão da nossa casa. Ah! É de dia de eleições municipais! Em toda ocasião dessa, um mundo de gente faz volume pelas vias, entrega papeis ("santinhos") de candidatos e quer convencer os eleitores que tal fulano é bom, precisa de seu voto etc. Pobre de quem se sujeita a isso. É usado, mas talvez nem queira saber disso. Dessas pessoas, diria o Velho Argemiro: "Vão se emburacando no buraco do tatu".
Eu era criança quando o meu pai, simpático do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), outro partido político, além da Arena (Aliança Renovadora Nacional), no período da ditadura (1964-1985), fazia parte de tímidas e escondidas manifestações. Era tempo torturante para quem enxergava o quadro horrível e lutava pela democracia. Anos de chumbo. Vidas ceifadas. Juventude militante e aguerrida. Período de profundas marcas, sem justiça até hoje. Decorre disto o que vemos: torturadores e aliados daquele triste período no protagonismo atual, no poder federal.
Celino Carioca, cortador de pedra e caseiro do doutor John e da dona Tatinha, no Perequê-mirim, era o mais exaltado opositor do sistema que conheci, mas nunca se candidatou a nada. Ele, parando de vez em quando na roda da molecada, explicava um monte de coisas, nos politizava. "Vocês serão os eleitores do amanhã. Precisam saber que o modelo de governo que estamos engolindo agora não é certo. Como pode ser bom quem persegue e mata quem pensa diferente? Logo tem eleições municipais. No dia, vocês verão, vem condução aqui buscar os adultos para a votação. Cada candidato já está contratando caminhões para leva o pessoal até a cidade. Chegando lá, vocês acham que vão votar em quem? Lógico que naquele que ofereceu a condução! Como se chama isso? É compra de voto! Eu espero muito de vocês, da geração mais nova. Não deixem de usar os seus direitos. Não se deixem ser usados de tanto em tanto tempo por gente que não quer a verdadeira política. Não se vendam em troca de favores individuais. Está em vossas mãos vencer a opressão. Não sejam massa de manobra, não tenham vida de gado". A gente escutava porque o Celino era legal com todo mundo. Um pouco de tudo aquilo sempre entrava em nossas cabeças, formava nossos pensamentos e atitudes. Papai repetia de vez em quando: "O Carioca agora é caiçara".
Hoje, a julgar pelo alarido lá fora, estamos bem longe de deixar de ser massa de manobra. O Velho Argemiro dizia que "política é coisa para ser ensinada desde as primeiras mamadeiras das crianças". Logo mais, se repetir os outros anos, passa alguém distribuindo pão com mortadela e refrigerante barato aos distribuidores de "santinhos". Debaixo da sombra das palmeiras da nossa calçada, eles parecerão esganados pela iguaria. Assim se escolhe os melhores para zelar pelos interesses da coletividade. Agora, acabei de escutar bem claro, acima das demais vozes: "Oba, chegou o pão, minha gente!"
Nenhum comentário:
Postar um comentário