quarta-feira, 4 de novembro de 2020

AMÉRICO, O PROFESSOR

Olhos no caderno (Arte: Maria Eugênia)

 

                Por onde andará o Américo, o professor? “Se ainda for vivo, deve estar em São Luiz”, me informou o Cláudio. “Ele casou-se lá depois que se foi de Ubatuba”.

                Ele ensinava Geografia, no colegial, hoje ensino médio. Numa aula explicou o taylorismo como um sistema de controle dos trabalhadores, onde se aperfeiçoou a divisão entre trabalhador intelectual e trabalhador braçal, eliminando qualquer autonomia deste na produção (que foi repartida em etapas e passando a ser cronometrada). Quando mais tarde assisti ao filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, me recordei imediatamente do antigo mestre. “Ele idealizou um total controle sobre o trabalhador, tal como uma boiada sendo conduzida. A meta era tornar cada homem da linha de produção num imbecil dócil”, segundo o nosso mestre Américo. “Nesse método de produção, se acabava com qualquer um que fosse politizado e resistente ao controle do sistema vigente”.

                Nos dias atuais, bem longe do tempo Taylor (1856-1915), estamos sob governo que investe no mesmo propósito, contando com aliados desde os eleitos de Brasília até alguém que pode estar ao seu lado, podendo até dividir o mesmo ambiente de trabalho, mas que se acha diferente (superior) porque “subiu numa folha de papel” e quer dar a sua contribuição na punição de indolentes” e na “premiação dos produtivos” no nosso meio. O que é isto? É estratégia de domesticação de quem produz, do trabalhador. Estará em situação difícil aquele que reconhecer as desigualdades como um problema social e consequência de um modo de produção conhecido agora como neoliberalismo. Será perseguido sim!  Pior é quem está na outra conformação, se achando parte da elite. Miserável daquele que se encontra cheio de orgulho, parecendo estar em outro degrau, oprimindo, colaborando com o poder assassino de uma minoria. Gente assim vai se apodrecendo, mas não é capaz de enxergar que a sua família é também vítima desse sistema. Lógico que é! Elite, neste Brasil, não chega nem a 1% da totalidade da população! Será que um dia esses infelizes perceberão que estão na boiada, vivendo como reses imbecis e dóceis?

                Naquela aula distante, finalizou o estimado mestre: “A boiada que cresce vai pisando tudo até chegar ao ponto em que de nem ela mesma terá mais capim, pois tudo morrerá socado no chão. Mas vocês já sabem que só de barro ninguém consegue viver, não é mesmo?”.

                Grande Américo! Grande mestre que nos alertou na juventude a respeito da desumanização do homem!  Lhe sou grato por essa e tantas outras lições. Que eu e meus colegas caiçaras daquele tempo tenhamos lembranças renovadas de ensinamentos assim.



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