Colar da puxada de rede (Arquivo JRS) |
Diante de séculos de domínio da visão
eurocêntrica, faz-se necessária refazer narrativas de outras culturas que fazem
o Brasil. Não pode uma nação com tamanha diversidade continuar refém de
ideologia que favorece poucos e exclui a maioria de nós. Assim, eu selecionei
parte do Parecer nº 008/2001 – DJ/ITERPA (Instituto de Terras do Pará),
apresentada por Carlos Alberto Lamarão Corrêa no I Seminário Reconhecimento e
Titulação das Terras de Quilombos no município de Ubatuba, Estado de São Paulo
(2001) para outras reflexões e posturas tão urgentes, sobretudo em relação à
posse da terra. Devemos muito ao mano Mingo, na época vereador, pelo evento ocorrido no ginásio de esportes (Tubão).
Numa visão histórica mais
abrangente, os quilombos ou mocambos seriam não só locais habitados por negros
fugitivos, mas também redutos de alforriados que se traduziam em verdadeiros
focos de resistência cultural dos antigos escravos africanos. Esses quilombos
representaram - como representam até
hoje - uma marca indelével de
participação efetiva da raça negra no processo de desenvolvimento histórico do
povo brasileiro.
A verdade é que não se pode mais
calar diante da inquestionável contribuição do negro para o progresso do nosso País,
surgindo daí a necessidade de resgatar, perante a nação, a imagem de uma raça
atuante, com personalidade, com história, com vida. Registrar essa história,
preservando seus traços culturais próprios é contribuir, sem dúvida alguma,
para dar referência étnicas à população afro-brasileira, mostrando a saga de um
povo marcado pelo sofrimento que lhe foi vergonhosamente imposto pelas elites
dominantes ao longo de séculos, mas que, a despeito disso, nunca deixou de
representar um dos braços fortes da nação.
É evidente, pois, que as terras tradicionalmente
ocupadas pelos quilombolas, a que se refere o artigo 68 do texto
constitucional, possuem um valor natural como meio de produção e de
sobrevivência. Mas elas são também essenciais como instrumento de identidade cultural
e antropológica das comunidades que nela se estabeleceram para escapar à
escravização, criando um mundo próprio que cumpre ao Estado defender e
preservar, registrando-o no acervo histórico do seu povo.
A propósito do assunto, vale
lembrar o registro feito pelo eminente Prof. Girolamo Domenico Treccani, na sua
importante obra Violência & Grilagem, de que, “...a partir da década de
oitenta, grupos rurais, o movimento negro e entidades de apoio realizaram
mobilizações para ver reconhecido o direito às terras tradicionalmente ocupadas
pelos quilombolas. Tanto que hoje o conceito jurídico está sendo
reinterpretado, gerando uma nova consciência grupal e a redescoberta das raízes
histórico-culturais de centenas de comunidades”.
Segundo Acevedo e Castro (citado
por Treccani), “o quilombo enquanto categoria histórica detém um significado
relevante, localizado no tempo, e na atualidade é objeto de uma reinterpretação
jurídica quando empregado para legitimar reinvindicações pelos territórios dos
ancestrais, por parte desses remanescentes de quilombos (...). No âmago, estão
as questões referentes às chamadas “terras de preto” ou “terras quilombolas”,
associadas ao forte sentimento de fazer parte da história de um grupo
identificado com um território. O processo de ressemantização da categoria
quilombo, tanto política quanto juridicamente, contribui para a afirmação étnica
e mobilização política dessas comunidades negras rurais”. (...) Para tanto,
porém, é imprescindível que esses locais históricos sejam previamente
identificados, definidos e dimensionados, através de estudos e levantamentos
antropológicos capazes de comprovar a existência de elos culturais que os
vinculem aos remanescentes de antigos quilombos.
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