sexta-feira, 20 de novembro de 2020

NARRATIVAS À RESISTÊNCIA


 

Colar da puxada de rede (Arquivo JRS)


                Diante de séculos de domínio da visão eurocêntrica, faz-se necessária refazer narrativas de outras culturas que fazem o Brasil. Não pode uma nação com tamanha diversidade continuar refém de ideologia que favorece poucos e exclui a maioria de nós. Assim, eu selecionei parte do Parecer nº 008/2001 – DJ/ITERPA (Instituto de Terras do Pará), apresentada por Carlos Alberto Lamarão Corrêa no I Seminário Reconhecimento e Titulação das Terras de Quilombos no município de Ubatuba, Estado de São Paulo (2001) para outras reflexões e posturas tão urgentes, sobretudo em relação à posse da terra. Devemos muito ao mano Mingo, na época vereador, pelo evento ocorrido no ginásio de esportes (Tubão). 

 

Numa visão histórica mais abrangente, os quilombos ou mocambos seriam não só locais habitados por negros fugitivos, mas também redutos de alforriados que se traduziam em verdadeiros focos de resistência cultural dos antigos escravos africanos. Esses quilombos representaram  - como representam até hoje -  uma marca indelével de participação efetiva da raça negra no processo de desenvolvimento histórico do povo brasileiro.

A verdade é que não se pode mais calar diante da inquestionável contribuição do negro para o progresso do nosso País, surgindo daí a necessidade de resgatar, perante a nação, a imagem de uma raça atuante, com personalidade, com história, com vida. Registrar essa história, preservando seus traços culturais próprios é contribuir, sem dúvida alguma, para dar referência étnicas à população afro-brasileira, mostrando a saga de um povo marcado pelo sofrimento que lhe foi vergonhosamente imposto pelas elites dominantes ao longo de séculos, mas que, a despeito disso, nunca deixou de representar um dos braços fortes da nação.

É evidente, pois, que as terras tradicionalmente ocupadas pelos quilombolas, a que se refere o artigo 68 do texto constitucional, possuem um valor natural como meio de produção e de sobrevivência. Mas elas são também essenciais como instrumento de identidade cultural e antropológica das comunidades que nela se estabeleceram para escapar à escravização, criando um mundo próprio que cumpre ao Estado defender e preservar, registrando-o no acervo histórico do seu povo.

A propósito do assunto, vale lembrar o registro feito pelo eminente Prof. Girolamo Domenico Treccani, na sua importante obra Violência & Grilagem, de que, “...a partir da década de oitenta, grupos rurais, o movimento negro e entidades de apoio realizaram mobilizações para ver reconhecido o direito às terras tradicionalmente ocupadas pelos quilombolas. Tanto que hoje o conceito jurídico está sendo reinterpretado, gerando uma nova consciência grupal e a redescoberta das raízes histórico-culturais de centenas de comunidades”.

Segundo Acevedo e Castro (citado por Treccani), “o quilombo enquanto categoria histórica detém um significado relevante, localizado no tempo, e na atualidade é objeto de uma reinterpretação jurídica quando empregado para legitimar reinvindicações pelos territórios dos ancestrais, por parte desses remanescentes de quilombos (...). No âmago, estão as questões referentes às chamadas “terras de preto” ou “terras quilombolas”, associadas ao forte sentimento de fazer parte da história de um grupo identificado com um território. O processo de ressemantização da categoria quilombo, tanto política quanto juridicamente, contribui para a afirmação étnica e mobilização política dessas comunidades negras rurais”. (...) Para tanto, porém, é imprescindível que esses locais históricos sejam previamente identificados, definidos e dimensionados, através de estudos e levantamentos antropológicos capazes de comprovar a existência de elos culturais que os vinculem aos remanescentes de antigos quilombos.

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