Zumbi jogado na quadra- Arquivo JRS |
Ainda é bem cedo. Sigo para o trabalho esperando um descanso logo mais, nos próximos dias. No ônibus há poucos passageiros. Eu prefiro os assentos do fundão para poder escancarar todas as janelas e deixar o ar circular bem. No último ponto, antes de entrar na rodovia, um rapaz entra todo simpático a julgar pelo bom dia que desejou ao motorista. Também ele se dirigiu ao fundão. Pela aparência, julguei ser um desses vendedores de produtos, tipo brincos, canecas, bonés etc., que ralam vendendo nas praias. Anda muito essa gente!
Ele me cumprimentou demonstrando alegria, de bem com a vida. Notei que tinha um defeito físico, como se a mão direita tivesse sido esmagada em algum acidente. A prosa, já engatilhada, veio no "maior gás", conforme a gíria. Nome: Vinícius. Natural de Seabra, na Bahia. Aí, Jorge, da terrinha! Estava em casa de recuperação. Veio parar em São Paulo porque "é lugar bom para ganhar dinheiro". Acertei no julgamento! Ele está indo à capital a fim de comprar produtos a serem revendidos pelas praias na próxima temporada de verão. Sem eu perguntar nada, o Vinicius passou a me contar das casas de recuperação, afirmando que "muitos pastores são crentes só de nome, querem ganhar dinheiro às custas de quem foi acolhido, pondo-os a vender coisas nos ônibus, ruas e praias". Como costumamos dizer lá em casa: "Eu já sabia!".
Desde o princípio, notei que o Vinicius entabulava a conversa tendendo a apelar para a Bíblia. Até citações dela ele fez com certa maestria. Será decorrência de certa forma de lavagem cerebral costumeiramente aplicada em muitas casas de recuperação? Não sei dizer. Mas logo tratei de cortar esse direcionamento. "O caminho não é por aí, amigo. Devido - também! - a essa forma de alienação, foi eleito o pior candidato dentre os candidatos à presidência do nosso país". Ele concordou; percebeu que eu apelava para a linha da autonomia, do desenvolvimento da nossa capacidade reflexiva e crítica.
Vinicius, o andarilho de Seabra, pincelou, entre vários momentos, algumas passagens da sua vida. Elas não diferem daquilo que a maioria dos brasileiros vivem. Olhei bem no rosto dele, naquele tom de pele da maioria dos brasileiros que me faz dizer sempre: "Você é um testemunho de resistência, irmão! Pela sua história passou Zumbi dos Palmares e tanta gente nossa!". Perguntei-lhe ainda por quanto tempo ficou em Ubatuba e onde estava hospedado. "Passei seis dias nesta cidade. Fui acolhido numa casa de recuperação localizada no bairro do Ipiranguinha, próxima da igreja católica". Nesse momento lhe revelei que moro lá há vinte e cinco anos. Notando o seu cansaço, deixei que ele dormisse sossegado. Na despedida, só um desejo: "Segue em paz, Vinícius".
Em tempo: acabei de saber que hoje se comemora o Dia do Nordestino. Parabéns, gente boa!
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