sábado, 9 de outubro de 2021

A SERENIDADE QUE VEM DO MAR

 

Passos no lagamar - Arquivo JRS

           Grande, Santiago! Daí desse seu morro panorâmico ou descendo numa onda, não deixas de receber a serenidade que vem do mar, das matas e da cultura caiçara. Parabéns, amigo!

"Uma vez... há muito tempo... numa praia bem pequena... eu parei pra olhar as distâncias e as águas...um velho homem do mar costurava suas redes numa sombra de amendoeira... um cheiro de café matinal inundava a maré do dia... eu sentei numa pedra por perto e fiquei em silêncio olhando... ele também permaneceu em silêncio... fazendo seu paciente trabalho de remendar os rasgos que algum peixe mais forte ou cardume fizera... depois ele olhou para o mar uns instantes... olhou para a direção das ilhas... olhou para mim... para minhas mãos... e voltou ao seu trabalho... estendeu uma mão para mim e tinha nela uma agulha de madeira feita por ele mesmo... aos seus pés uma longa rede esparramada na areia... peguei a agulha e comecei também a remendar as panagens como aprendi com meu pai na infância e com seus camaradas das antigas... O tempo nesse momento pareceu algo como uma canoa silenciosa parada num mar tranqüilo... sem pressa de ir a algum lugar O velho então começou a falar como se falasse pra si mesmo e para o mar, além de mim... muito além de mim e da imensidão azul que envolve o mistério das ilhas e dos tempos.... contou histórias que ouvira, que vivera, que sabia de há muito tempo...havia uma maresia de melancolia no seu olhar, mas também serenidade que só os que já foram muito ao mar e voltaram têm... Contou que antigamente havia grandes canoas, enormes, que navegavam longas luas para longas distâncias levando muitas sacas de farinha de mandioca, bananas e pipas de cachaça que o velho engenho de Dona Mariquinha do Peres produzia... Contou que nada mais dessas coisas existiam... canoas de voga...engenhos... D.Mariquinha... e que a maior travessia agora era não mais dos mais velhos como ele, que ele já era coisa do tempo e que o tempo anda sempre a levar suas coisas e suas gentes e suas épocas... a maior travessia não era mais de canoas imensas, era de um tempo e era dos novos e dos que viriam ainda... que a maior travessia que restava agora era do mar de gente e dos seus mares de ganâncias.
Ficou em silencio de novo... olhou o céu... descansou as mãos no colo e disse: “Eu já remendei todas as minhas redes e já guardei minhas canoas no rancho do tempo, agora o mar contará outras histórias...” levantou-se e foi por uma trilha para alguma casa escondida na mata... fiquei ali sentado... com a agulha de madeira na mão... olhando a mansidão do mar naquela velha pequena praia tranquila... no chão a rede já não tinha mais nenhum rasgo a ser consertado".
Pode ser uma imagem em preto e branco

5 comentários:

  1. Um dia na praia do Peres...os aprendizados que levamos pra vida.

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  2. Aquela prainha...lembrança do Tio Zaca...chão da minha infância.

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  3. Posso estar errado, Zé, mas acho que alguns leitores podem ficar na dúvida se o texto é de sua autoria ou da de Santiago. De vez quando, noto aqui ambiguidade semelhante. Como esse blog é lido até na Rússia, é bom identificar claramente o autor do texto. Acho que deixar entre aspas essa parte, que é do Santiago Bernardes, evitaria a dúvida. Desculpe minha impertinência. Um abraço.

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