Família da beira do mar (Arquivo JRS) |
Em meados da década de 1970, escreveu Olympio Corrêa após conviver um período com os caiçaras da porção mais ao norte do município de Ubatuba:
A união do homem com a mulher, na sociedade caiçara, constitui o fundamento da família. O rapaz conhece a moça através de visitas ou funções. O fator vizinhança influi bastante neste primeiro contato. Daí em diante o relacionamento processa-se com rapidez, culminando no casamento de fato. Passam a morar juntos, e o casamento, civil ou religioso, só é feito aconselhado por terceiros, por motivos de inventário, e, ultimamente, para o gozo de vantagens legais ou por alguma pressão social. Tomamos conhecimento de um embarcadista, que com uma prole de onze filhos, recusava-se a casar no cartório para que pudesse usufruir do salário família.
Apesar da ausência de vínculos contratuais, o homem assume a responsabilidade pela mulher e filhos e não existe criminalidade neste setor. As adolescentes muitas vezes engravidam-se cedo e não há preconceitos sexuais. O pai assume a proteção da mulher e da criança e constitui um lar, sem outros sobressaltos. Há ainda a união do homem com mulher, quando esta, viúva ou abandonada, ou por qualquer outra causa, e com filhos, aceita como caseiro um homem que via de regra também está só e quase sempre tem filhos.
A função da mulher nesta sociedade é essencial e indispensável. Ajuda nas lides da roça com trabalho superior ao do marido; na fabricação farinha de mandioca a ela está atribuída o processo de sevar a raiz, na roda, e, no penoso forneamento da massa seca, é a companheira insubstituível do homem. A isto tudo, além das atividades caseiras, cujos processos são pesados e extenuantes, soma-se a criação dos filhos, que vão nascendo e vingando, como a natureza manda. Daí o seu valor neste ambiente, onde, se é abandonada, imediatamente arranja um caseiro que aceita a ela e aos filhos com alegria e interesse. O homem sem mulher, seja no sertão ou na praia, quase sempre se torna vítima da bebida, acabrunha-se, abandona o cultivo da terra e passa necessidade juntamente com os filhos. Talvez, por isso, parece não haver o costume de espancamento da mulher e filhos. Há bastante harmonia entre homem e companheira, e a prole, por mais numerosa que seja, é sempre querida e há bastante manifestações de carinho entre todos.
Os filhos adultos só deixam a família quando se casam, mesmo assim, passam a viver agregados aos pais. Os maiores, que deixam a região em busca da cidade, mesmo quando se fixam nela, não escondem o desejo de voltar para a terra natal. Os pais respeitam a vontade dos filhos, e, quando trabalham juntos na farinha, ou na banana, recebem sua cota de produção à parte. Quando pequenos não são forçados a irem à escola, e as meninas são ocupadas, muito cedo, nos serviços de casa e são desestimuladas a se instruir. Enfim, todo o relacionamento familiar parece pautar-se no respeito mútuo e numa afeição, manifestada com bastante desassombro.
Aceitar como caseiro é uma saída (um eufemismo) interessante!
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