quarta-feira, 27 de outubro de 2021

PESCARIA ARTESANAL E SUSTENTABILIDADE

A pescaria - um tema de Antônio Gomide - Arquivo JRS

     Relendo Povos de Mares, de Antônio Carlos Santa'Ana Diegues, o professor Diegues, caiçara de Iguape, litoral sul paulista, encontrei o tema Equívocos e Falácias a serem esclarecidas em torno dos pescadores artesanais.

1ª Falácia: "Os pescadores artesanais são indolentes e não trabalham com regularidade". 

   Ora, os pescadores artesanais vivem sob a frequência  dos ciclos naturais, que determinam os períodos de aparecimento de certas espécies de pescado, bem com dependem muito fortemente das marés e condições do mar. Daí, como em todos os países do mundo, a pesca artesanal ser uma atividade cíclica, com períodos de maior ou menor intensidade de trabalho, com horas de espera e horas de extenuante esforço físico.


2ª Falácia: "Os pescadores artesanais são mendigos de praia e constituem um problema social a ser tratado por programas assistenciais".

   Na reunião preparatória para a Conferência da FAO sobre o Desenvolvimento Pesqueiro, realizada em Roma em 1983/1984, especialistas do mundo inteiro desfizeram esse equívoco ao afirmar: "Os últimos dados disponíveis de muitos países do Terceiro Mundo indicam que as pescas artesanais são mais viáveis sob o ponto de vista econômico e as mais desejadas sob ponto de vista social, sobretudo quando se explora ecossistemas costeiros... Alguns fatores importantes como a natureza dos recursos naturais disponíveis nas águas tropicais, a dispersão especial das comunidades de pescadores, a ampla utilização de materiais disponíveis localmente, o direcionamento do pescado a mercados locais e regionais, o uso reduzido de combustível fóssil justificam a prioridade a ser dada a esse sistema de produção...". Ou ainda: "No desenvolvimento da pesca artesanal deve-se ressaltar sua comprovada viabilidade econômica e seus múltiplos benefícios sociais". (Expert Consultation on Strategies for Fisheries Development - FAO Fisheries Report nº 295, Roma). Daí a recomendação dos Ministros da Pesca e Agricultura que participaram daquela Conferência: "Dada a crescente importância atribuída à pesca artesanal pelos programas de desenvolvimento nacional e internacional, considerando-se que a produção desses pescadores é quase que inteiramente dirigida ao mercado interno e representa quase metade do pescado consumido mundialmente, esforços especiais devem ser feitos para aumentar a produção desse setor e deve-se dar prioridade às políticas de desenvolvimento da pesca". (Roma, 1984)

    Pela minha origem, participando das fainas pesqueiras com meus avós, meus tios e tantos parentes que ainda estão por aí se virando na vida, me angustio com os rumos dessas  famílias tradicionais de pescadores artesanais brasileiros, sobretudo dos caiçaras. Eram estes, com seus ranchos de canoas, que preservavam o jundu, que não atrapalhavam a visão do mar. Agora, preste atenção, veja que as edificações, pouco a pouco fazem uma barreira entre o mar e nós, enfeiam a orla e inibem os pobres. E para onde corre o esgoto produzido rente ao mar? Como vai se sustentar a pescaria artesanal com os cardumes se distanciando mais e mais da costa? E aquela vida equilibrada pelos ciclos naturais não precisa ser recuperada?


 

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