domingo, 11 de julho de 2021

ETNOCONHECIMENTO SE CULTIVA

 

Reencontro com Diegues (Arquivo JRS)

       Em abril de 2003 eu tive a oportunidade de participar, em Iguape, litoral sul do Estado de São Paulo, de um curso por cinco dias, na casa do Diegues. Coisa boa ter acrescentado tantas novidades e tantos aprofundamentos à minha vida. Reencontrá-lo em 2019 e ouvir suas contribuições no nosso 1º Fórum de Saberes Artesanais foi gratificante demais!

      Antônio Carlos Diegues, caiçara da citada cidade, é um importante professor da Universidade de São Paulo, pesquisador de temas relacionados ao nosso ser caiçara e à conservação ambiental, sobretudo da importância do conhecimento e manejo da biodiversidade pelas comunidades tradicionais, ressaltando a relevância em incorporá-los em atividades conservacionistas. 

     Tendo os meus laços quase que inteiramente ligados aos caiçaras, sobretudo aqueles que ainda dependem muito dos recursos naturais, vou me recordando de falas da minha gente diante da poluição assustadora, das ocupações imobiliárias e das punições ambientais descabidas em muitos casos. O que seria desse espaço caiçara sem as interações existenciais que temos desde sempre? 

     Foi em Iguape que tive a oportunidade de me inteirar mais desse assunto de biodiversidade.  Segundo o professor Diegues, ela pode ser definida como a variabilidade entre seres de todas as origens. É uma característica do mundo chamado natural, produzido exclusivamente por este e analisada segundo as categorias classificatórias propostas pelas ciências ou disciplinas científicas, como a botânica, a genética, a biologia etc. 

     As populações tradicionais não só convivem com a diversidade, mas nomeiam e classificam as espécies vivas segundo suas próprias categorias e nomes. Um importante diferença, no entanto, é que essa natureza diversa não é vista necessariamente como selvagem em sua totalidade; ela foi, e é, domesticada, manipulada. Uma outra diferença é que essa diversidade da vida não é vista como "recurso natural", mas  como um conjunto de seres vivos que tem um valor de uso e valor simbólico, integrado numa complexa cosmologia.

    Nesse sentido, pode-se falar numa etnobiodiversidade, isto é, a riqueza da natureza da qual participam os humanos, nomeando-a, classificando-a, domesticando-a, mas de nenhuma maneira nomeando-a selvagem e intocada.

   Pode-se concluir que a biodiversidade pertence tanto ao domínio do natural e do cultural, mas é a cultura como conhecimento que permite que as populações tradicionais possam entendê-la, representá-la mentalmente, manuseá-la e, frequentemente, enriquecê-la. Quem de nós não reconhece que, nas roças e pescarias, muito além da busca pela subsistência, existia um espaço de sociabilidade que solidificou nossos traços culturais, nosso ser caiçara?

      Finalmente, recebendo a informação que 61%  dos trabalhos científicos publicados depois de 1980 incluem informações sobre etnoconhecimento (o saber atrelado à etnia) por parte de populações indígenas e não indígenas, me fortaleço em minhas posições, sobretudo políticas, de ouvir, valorizar e atuar pela cultura caiçara e pelo espaço que a gerou. E, com certeza, não será gente de postura direitista que será aliada nessa empreitada. Por isso é triste ver gente nossa concordar com políticos que estão "passando a boiada", arrasando culturas e destruindo comunidades.


2 comentários:

  1. Etnobiodiversidade,tudo que somos devemos ser gratos aos que nos propuseram o saber mais profundo... A cultura caiçara é rica em saberes... Sou fã desse Blog e desse escritor que me permite aprender sempre com suas incríveis experiências. Grata amigo

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  2. Gratidão pela palavras. Forte abraço.

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