Valeu o nosso encontro na Barra Seca! (Arquivo JRS) |
Ter oportunidade de se encontrar com amigos, com irmãos caiçaras, não tem preço. Ainda mais quando o lugar é de paz, na praia da Barra Seca. Não demora muito para vir os causos, as histórias que nos envolvem. De cada lado sai alguma coisa. As gargalhadas são sinceras e gostosas, puro prazer. Os mais velhos falam, os mais novos escutam e já seguem com suas contribuições. Essa é a grande família que se formou entre a serra e o mar. De repente um rapaz, Batenguinho, gente do Donato (praia do Bonete) e do João Batengo (praia Grande do Bonete), relembra um causo do tempo mais antigo. Aqui abro um parênteses para dizer que conheci Seo Donato já morando na cidade, trabalhando de jardineiro em casas do centro. Élvio, narrador de corrida de canoa e mestre da dança da fita, é quem faz a entrada: "Agora vamos escutar este menino do Bonete. Bom de remo ele é. Acredito que também é bom de causo". Com um sorriso tímido o Batenguinho começa:
O meu avô Donato nos contava uma história triste, nem sei se cabe aqui agora. Pelo que me lembro, aconteceu com gente lá dos lados da Picinguaba. Quer dizer, foi de lá que saiu o noivo. A noiva era de serra acima, de Catuçaba, de família onde só o pai era de outra religião, era protestante. Quando decidiram se casar, o pai não aceitou que fosse na igreja católica. Por isso se afastou da filha, nem quis conhecer o neto que veio depois.
Esse homem, contava meu avô, era também caçador. Um dia, véspera de sexta-feira santa, ele participou à esposa que iria caçar. Na verdade, ele estava fazendo aquilo para provocar a mulher, pois ela continuava sendo católica. "Não faça isso, homem. A gente não precisa disso, amanhã eu não como carne e nem preparo. Vai se estragar. Não presta fazer essas coisas na Semana Santa. Não vá matar os bichos". Ele deu uma gargalhada, de tipo assim do Élvio. Preparou a espingarda, saiu acompanhado por dois cachorros bons de correr paca. No entardecer, uma surpresa boa: a filha, o genro e o neto chegaram para um fim de semana. Vinham para se reconciliar com o pai. A mãe, coitada, só rezava pelo esposo. Foi quando a filha revelou o que sonhara no começo da semana: "Acordei assustada porque no meu sonho papai enfrentava uma onça bem grande, que não tinha medo dos cachorros. No fim, ele estava estirado numa grota e os cachorros também. Acreditei que era um aviso. Por isso viemos logo". Anoiteceu na serra. A essa altura todo mundo já estava rezando e chorando. No dia seguinte, os vizinhos mais de perto já sabiam e se organizaram na busca do homem que tinha ido caçar. Era sexta-feira santa. Não precisaram ir muito longe. No Purubinha, perto da margem do rio Paraibuna, estava o corpo alanhado, sem vida. Os cachorros também se encontravam em igual estado, como a filha havia sonhado. Em toda época de Semana Santa, no terreiro da nossa casa, nós escutávamos esta e outras histórias. Servia de alerta para não contrariar essas coisas de religião.
No final, ainda no silêncio pela história, o Higino arrematou: "Mas remar pode, minha gente! Não tem religião que proíba isso! É hoje é domingo da ressurreição. Viva os remadores!". E todos responderam ao patriarca da comunidade: "Viva!".
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