segunda-feira, 12 de julho de 2021

ENTRE TIJOLOS TEM CIMENTO

 

Entre coisas boas também tem coisas ruins (Arquivo JRS)

    Diz o ditado que "a corda sempre arrebenta do lado mais fraco".  Assim foi com o Dito Gomes, nos idos de 1970: desapareceu da nossa praia por causa de uma situação armada (parecia que alguém desejava o seu lugar como caseiro de um ricaço ou foi pura maldade mesmo).


   Dito Gomes era um caipira trabalhador, pai de quatro crianças pequenas. Ele já estava familiarizado com quase todos da nossa pequena comunidade. De repente, foi acusado de cortar árvores nas terras vizinhas, que não eram do seu patrão. Mas... conforme o meu tio-avô Clemente, "a ordem partiu do ricaço. Só que, prevendo o rumo das coisas, sabendo que poderia lhe render um processo muito sério, o homem de dinheiro foi ardiloso". 


    Tio Clemente, de nossa raiz negra da Ilha do Mar Virado, dizia coisas muito interessantes. É falecido há quatro décadas. Com uma alfabetização básica, tinha uma sabedoria ímpar.  Me lembro bem dele dando um fechamento no caso do Dito Gomes: "O pobre é o elo mais fraco, sempre terá ondas batendo em seus peitos, pelas costas, por cima e por baixo. Quando alguém erra contra pobre, dificilmente irá se desculpar, pedir perdão, assumir a falha cometida. Pelo contrário, ainda é capaz de criar outra versão do ocorrido para escapar do vexame. Na presente situação, ele (o patrão) decidiu escolher uns bobos, divulgou outra versão da história, instaurou a dúvida para se safar da vergonha. Em seguida lhes ofereceu presentes, fez agrados. Desse modo, a história de verdade se tornou mentira e a mentira se fez história verdadeira. Dito foi injuriado por algumas pessoas, teve de se mudar daqui. E quem acreditou nele, como eu e outros, foram considerado suspeitos, mal vistos e mal quistos. Até hoje tem ainda alguns deles que não falam comigo. Eu lá me importo com isso? O que mais vale para mim é estar do lado da verdade, do lado certo".  


    Me lembro sempre de como aquelas palavras do tio Clemente me fez sentir muito mais orgulhoso por tê-lo como parente, de sempre  poder prosear com ele. Depois, de lá para cá, passei a considerar os elos fracos em nosso meio, as perseguições que sofrem. Pior ainda é quando seus algozes são pessoas próximas, "bunda suja como a gente", diria o titio, "que se corrompem, por cobiça ou outra maldade, se deixam embalar em falsas falas, inventadas com propósitos perversos". Uma frase daquele tempo distante não me sai da cabeça: "Não se esqueça, menino, entre tijolos tem cimento. Quando alguém disser alguma coisa, queira saber os motivos, as razões que podem não aparecer num primeiro momento. Proceda assim, sobretudo se enxergar possibilidade de causar sofrimentos para alguém no horizonte mais visível. Não é essa a primeira vez - nem será a última!  - de coisas inventadas para desvirtuar caráter".

    Por todo esse tempo tenho pensado sempre em situações semelhantes, que desvirtuam o caráter de muita gente. É certo que continuam firmes e atuantes as falsas narrativas. E gente boa embarca nelas; podem ser cúmplices contra oprimidos! E há quem chame tal estratégia de "saída honrosa". Honrosa?!? Honroso é reconhecer erros cometidos, se humilhar para ter o perdão do outro, acertar a situação. Mas porque tudo isso me veio agora? É porque a ética do meu querido tio atravessou a história, continua atualíssima.

    


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