terça-feira, 27 de julho de 2021

PUXANDO PELA MEMÓRIA

 

Entardecer na praia (Arquivo JRS)

    O dia, junto com o sol se pondo, vai se findando. Crianças, jovens, adultos e idosos se comprazem no fim da tarde, na água límpida da praia. Agora, depois de passado por tantos caminhos, encontrado e deixado tanta gente, testemunhando avanços e retrocessos, reflito sobre um tantão de coisas e afirmo que muitas delas poderiam ser diferentes, terem seguidos outros rumos.

    Constatando as transformações ambientais, as degradações que parecem ser irreversíveis, digo que elas se intensificaram na minha infância, mas reconheço que eu apenas estava de passagem, não as interrogava e nem questionava os atos dos adultos perante o turismo e suas implicações. Apenas sabia que os visitantes traziam dinheiro e se compraziam com as belezas naturais que fartavam nossas vidas, nossa cultura caiçara. Em nós, nativos, tudo conformava-se em espírito, em joia singular.

    Ninhos de passarinhos, piados de cobras, mariscos, camarões nos rios e no mar, ramas brotando nas roças, farinhadas, cantorias profanas e sagradas, ressacas lavando jundus, pés descalços, cardumes de peixes diversos, canoas grandes e pequenas, causos, histórias... Todas essas coisas nos foi modelando juntamente com os estilos e ideias dos turistas e dos migrantes trabalhadores. Hoje, já tendo eu vivido mais da metade da vida, imagine como me sinto olhando um rio poluído. "Nele me banhei, bebi água... vi tanta gente se  servindo...". E, pelos caminhos, me detendo perante mansões e jardins bem cuidados: "Aqui era a roça do Tião Zacarias. Logo depois quem plantava era o João Firmino. Naquele lugar ficava a casa do João Araújo" etc.

    Ah! Como é a nossa memória! Semelhante a um novelo de fio, sigo puxando uma ponta para escrever ao amanhecer, madrugada ainda.

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