Arte do Estevan (Arquivo Estevan) |
A casa estava localizada no centro da posse. Era um pedaço de terra pequeno, mas com espaço suficiente para o cultivo, a acolhida e os entretenimentos. Em volta dela era a plantação, sobretudo de verduras, todas viçosas, agradáveis de serem olhadas; garantiam o consumo da casa e ainda sobravam para vendas que eram revertidas para a manutenção (as despesas regulares com as pessoas que por ali passavam a derradeira etapa de vida). Pescados e farinha de mandioca eram ofertados por pescadores do entorno. Naquele momento, calculo recorrendo à memória, havia uns vinte homens, todos de avançada idade, mas muito espirituosos, querendo conversar e fazendo brincadeiras que provocavam gostosas gargalhadas.
No salão, o cômodo maior, onde se reuniam para as prosas, notei um canto com várias bolas de futebol. Talvez fossem usadas para alguma forma de exercício, de atividade física. Notando a minha atenção nelas, o Velho Barrasseca falou: "Estás admirado de ter aqui tantas bolas? Nós envelhecemos, mas ainda jogamos. Logo ali, no terreiro, a gente brinca de vez e sempre. Tem alguns de nós que, mesmo cansados nos corpos, preservam seus talentos, fazem bonitos dribles, chutam com vontade. Prestaste atenção nas bolas murchas? É natural! Com um tanto de velhos destes, como não haver tantas bolas murchas?". Todos caíram na gargalhada. Eu, confesso, demorei um pouco a entender o espírito da fala. Ri atrasado.
Agora, relatando aquele distante momento, me recordo das faces coradas (tal como as do meu avô José Armiro), algumas bem enrugadas. Marcaram-me os olhos brilhantes, as empolgações nas falas... Enfim, me lembro bem da alegria reinante nos idosos daquele lugar. Hoje, daquilo tudo não restou mais nada além de mato e de uma casa velha. "Tá tudo arruinado", conforme expressão dos antigos caiçaras. Desconfio que as lembranças daquela casa, das atividades, das pessoas que ali conviveram e se envolveram, se foram com suas vidas.
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