Foram tantos os Natais na minha vida! E todos foram pontuados por situações
inusitadas, cômicas até.
Não tinha neve, algodão servia para adornar a árvore, que quase sempre era um
galho de cedrinho cedido pela Dona Virgínia Lefreve. Ela não gostava muito que
dilacerassem suas árvores, mas fazer o quê? Natal é Natal!
Toda torta, o galho perfumado ia para dentro de uma lata de tinta cheia de
areia de construção, envolvido num papel rosa de embrulho. Na lateral da lata,
ainda colava figurinhas recortadas das revistas Manchete, Grande Hotel,
Capricho, Sétimo Céu, até das embalagens de comestíveis com motivo de Natal.
Grudava as figuras com clara de ovo, goma arábica, massinha de trigo. Tinha
Papai Noel misturado com anjo. Estrela com guinomo, trenó com sino de igreja. E
muitas velas! Afinal todos diziam que Natal é Luz! Tudo era válido para deixar a
árvore bonita.
Assim feito, lá ia ela para o canto da sala, com um monte de penduricalhos
brilhantes.
Cada vez que meu pai ia trabalhar em Taubaté trazia um componente para a tal
árvore.
Até hoje tem enfeite para montar umas três árvores mais.
Quando éramos ainda em três, hoje somos cinco irmãs, ele trouxe um sino para
cada uma. Um sino vermelho, um amarelo e um verde. Ano após ano os três sinos
foram pontas de árvore na nossa casa. Então eles sumiram misteriosamente.
Perderam-se no tempo. Como memórias que a gente nega e renega e que substitui
por outras que, provavelmente, terão o mesmo fim.
A árvore ficava debaixo do vitrô. Quando ventava, uma melodia se espalhava
por todos os cômodos, avisando da chegada do Natal. Os sininhos se desdobravam
sob o ataque do vento dizendo: ”- Curtam esse tempo, ele pode repetir, mas não
voltará nunca mais com a mesma essência.”
Olha que às vezes o barulho contínuo era irritante...
Nós não sabíamos interpretar as mensagens anunciadas por elas.
Muitas vezes, hoje, estamos envolvidas com coisas tão supérfluas e banais,
parecendo que tudo está no limite, não vai dar tempo para nada, o Natal é
imediato, e não percebemos que não somos nós que vamos passar o Natal, e sim é o
Natal que está passando. Ele passa todo dia. E a gente não tem noção disso.
Todo ano o galho de cedrinho perfumado era renovado. Até o dia em que
acabaram as árvores de cedrinho. Acabou a dona das árvores. Acabou o homem que
buscava o galho. Ainda não acabou a família que cultivava a façanha de festejar
o Natal.
Tá certo que a árvore hoje é artificial. Tudo ficou artificial. O Natal não
tem a mesma magia do simples. Hoje só tem Natal quem adquirir coisas
sofisticadas.
Esqueceram que a festa do Natal é a comemoração do aniversário de alguém que
veio na terra ensinar a beleza da simplicidade contida na alma de cada um.
Será que isso ainda vale?
Hoje vi numa loja uma árvore de fibra ótica linda!
Juro que senti saudade daquela árvore de cedrinho. Saudade de usar toda a
criatividade para enfeitá-la com ajuda da família inteira. Saudade dos palpites
de todos. Saudade da alegria de concluí-la juntos, e sentir as portas dos nossos
corações abertas para chegada do Natal. O individualismo nessa época nunca teve
chance lá em casa.
E isso era Natal, uma comunhão familiar. Do nosso jeito o amor enchia a
véspera e o dia de Natal.
Era assim que presenteávamos Jesus. Pendurávamos naquela árvore o amor de
nossa família. Um grande presente para o Rei dos Reis.
Nota do Editor: Fátima Aparecida
Carlos de Souza Barbosa dos Santos, ou simplesmente Fátima de Souza, é, sem
dúvida, a primeira caiçara da sua geração a escrever sobre temas do cotidiano
local. É autora de Arrelá Ubatuba.
(Fonte: O Guaruçá)
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