Por vários anos, desde 1990, os alunos da Escola "Aurelina", no bairro da Estufa II, apresentaram a Puxada de Rede. Hoje, a pedido do meu amigo Nerci, publico a introdução daquele espetáculo que marcou a história de muita gente.
Introdução:
Leitor 1: Os atos humanos são possíveis de transformações,
de receberem acréscimos para que fiquem mais agradáveis, com mais movimentos etc. Enfim, tudo pode, com uma
pitada de criatividade, ficar mais gostoso. Assim foi o que aconteceu com a
vida de dureza, que é o trabalho do pescador, principalmente daquele que pesca
artesanalmente.
Leitor 2: Primeiramente é preciso imaginar os
negros como escravos por mais de trezentos anos na história do Brasil. Depois, para
quebrar a monotonia da pesca de rede puxada na praia, eles emprestaram aos
movimentos dos homens do mar a graça do ritmo e da coreografia ao som de seus
instrumentos, fazendo do cansaço na maresia uma alegria sem igual.
Leitor 3: É uma forma de resistência. Provavelmente
eles já traziam da Mãe-África essa singular arte. Afinal, muitos dos
escravizados provinham do litoral do imenso continente negro. Aqui só receberam
os ingredientes dos índios e dos portugueses pobres.
Leitor 1: No Estado da Bahia, região em
que a fidelidade às raízes sempre foi
muito forte, os negros cultivam com muito entusiasmo a Puxada de Rede.
Por volta de 1978, através do trabalho desenvolvido pelo mestre de capoeira JEQUIÉ, esta arte foi trazida para
Ubatuba, onde o pescado sempre foi uma base importante na cultura caiçara.
Leitor 2: Nós, membros da escola local, há anos
nos dedicamos nos ensaios e apresentações para que a iniciativa do mestre JEQUIÉ
nunca esmoreça. É preciso que o povo tenha sempre viva-memória daquilo que
brotou da criatividade da alma e da resistência à morte.
Leitor 3: A
pesca do xaréu, da tainha e de outros tantos é um espetáculo de poesia, de
canto e de ritmo ligado ao mar, às ondas em sua inigualável força.
Leitor 1: Para
uma redada na praia são necessários muitos braços, muitos homens fazendo força
no lagamar, os atadores, um mestre do mar, um mestre de terra e um mestre geral.
Leitor 2: A rede é
tecida durante os meses em que o peixe deixa de passar. São necessários muitos
metros de cordas, quilos e quilos de fios, um
mundão de cortiças e chumbeiros. Por fim, haja paciência!
Leitor 3: É
um trabalho sem fim, de fio a fio, pago por braças
que vão se fazendo nos nós. As malhas grandes e os cabos de corda recebem banho de casca de aroeira ou
de cajueiro, boias de cortiça, pesos suficiente na parte de fundo. Depois tudo isto vai ao
mar.
Leitor 1: É uma embarcação enorme que carrega essa rede; tripulada por
gente que conhece quase todos os segredos do mar. Ela atravessa a arrebentação
como uma imensa tartaruga, desovando uma longa fileira de boias num grande
semicírculo que cercará os peixes.
Leitor 2: Não há viva alma nos ranchos do jundu.
Todo mundo está na praia. Em pequenas embarcações os homens do mar sondam,
calculam a quantidade de peixes no cercado.
Leitor 3: O mestre do mar, agitando o chapéu e por
assobios, transmite tudo ao mestre de terra. Do mestre geral vem a ordem de iniciar a puxada da
rede. A areia é alva; os pescadores são escuros de nascença ou curtidos pelo sol abrasador. Da luz intensa da manhã sobe
um cântico empolgante.
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