De longe, parece o Antônio no mato (Arquivo JRS) |
Cheguei no portão: "Cadê o Antônio?". Nair, toda radiante, diz que ele subiu no morro, foi olhar
a roça e outras coisas. "Não temos saído quase de casa... só por precisão". Ainda bem! Agora, em tempo de pandemia, todo cuidado é pouco. Mais tarde, voltando, o encontrei na subida da rodovia. "Passasse em casa? A gente se cuida bem, sabeis?". Máscaras, me garantiu ele, além da que cobre o rosto, outras três seguiam no
bolso. Uma garrafinha de álcool não saía da bisaca por recomendação da Nair. “Tá certa ela, mas acho que é até exagerada
a minha mulher”. E quando volta então?! Coitado do Antônio! Tem de fechar o
portão e já ir deixando as roupas e passar pelo chuveiro do lado de fora, perto da porta da cozinha, de
água fria. “Isso é o de menos porque
tenho o costume de me banhar só em água fria mesmo. Mas a mulher tá certa, né? Já
teve uma porção de amigos que não aguentaram o baque, acabaram abotoados no
paletó de madeira. A tal de covid-19 não é mole não!”.
E assim, o casal, sem filho algum, segue
a vidinha. Ela faz uns doces, vende na vizinhança; ele pesca, mas agora está
tudo parado, sem turista para vender. O que melhora a situação são as coisas da
roça (inhame, cará, mandioca, batata-doce, taioba, banana...). “Lá no morro tenho um
pouco de cada coisa. Até dá para repartir com quem mais precisa”.
Mais gente, da vizinhança deles, também
repara na rigidez da esposa do Antônio. E gostam! Mas gostam do quê? As
mulheres das casas vizinhas, sabem do ritual dele por ordem dela. Por isso
dão um jeito de se postarem em lugar apropriado, de onde se avista o portão e seu
entorno. Vigiam e marcam horário. Grande satisfação é admirar aquele marmanjo
pelado, indo para a chuveirada. E ele? Me confessou ter cismado faz tempo, que
percebeu a movimentação diferente, mas não fez questão de comentar com a Nair. “Ela, brava igual siri na lata, se souber é capaz de armar a maior confusão
com as amigas. Não quero saber de ‘barraco’ perto de mim, muito menos na minha
família!”. Todo alegre, acrescentou: "Antes eram duas ou três, as
de mais de perto; agora é um monte delas. Acho que uma comenta com a outra e assim
por diante. Pelos vultos, tem umas delas que são do pé do morro, longe de casa”.
“Que
plateia!”. Ele, sorrindo como de costume, está gostando. “Até vou sentir falta quando a vacinação
chegar para todos e eu tiver de largar o costume de largar a roupa assim que
entro pelo portão. Tá melhor que no Bloco da Cachorrada você não acha? Aquele mulherio olhando a gente!”. Escutei a prosa
dele com curiosidade, vendo aonde ia chegar. Nunca imaginei de ver gente se aproveitando da epidemia dessa
forma. Esse caiçara, gente dos Barbosas, tem cada uma!
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