sábado, 5 de junho de 2021

QUE BOM SABER!

Nunca é tarde para estudar (Aluna no CEEJA - Arquivo JRS)
  
Dona Dalva (Arquivo Caiçaras)

        Certa vez, assistindo Central do Brasil, me emocionei demais pela história do filme. Tudo começa com a personagem principal, na estação de trem no Rio de Janeiro, escrevendo cartas, fazendo um benefício para pessoas analfabetas que queriam se comunicar com amigos e parentes distantes. Nessa ação heroica, gratuita,  surge a história do menino que precisava reencontrar a família, na região Nordeste, muito longe dali.  Infelizmente eu conheci gente assim, que não sabia escrever, resultando em perda de contatos com os seus, vivendo uma espécie de exílio por décadas. O baiano Bartolomeu foi um caso. Seo Zé, do Estado do Rio de Janeiro, foi outro. Acho que vale a pena resgatar suas histórias; já as publiquei. Felizmente também encontrei gente idosa, com netos e bisnetos, que retornou à escola. Que alegria poder acolher esse pessoal! Quem sabe quantas Coras Coralinas estão em formação?

      Toda vez que enxergo esse esforço, tenho vontade de dar um forte abraço. Quantas mensagens uma pessoa assim, vivendo isso, deixou de receber e enviar? Quantas crônicas já passou por aquela cabeça e se apagou? Quantos momentos ela deixou de registrar por não ser alfabetizada? Tem tudo a ver com o enredo do citado filme brasileiro! 
      A escrita e a leitura abrem janelas, clareiam paisagens, permitem ver horizontes e se inteirar com eles. Meu  pai e minha mãe, devido as condições econômicas e por morarem distante do centro da cidade, estudaram apenas dois ou três anos. Liam e escreviam, se viravam bem, escreviam cartas... Mas a geração anterior à deles nem viu escola. Não havia tal "privilégio" nas praias e sertões distantes. Às mulheres havia ainda aquele pensamento de que era bobagem ir à escola porque logo iriam se casar e cuidar dos filhos. Lendo um depoimento da caiçara Dalva Neves, no livro Os caiçaras contam, encontrei o seguinte:

   "Quando eu era jovem tinha muita criança fora da escola. Dizia-se muito: 'estudar para quê? Pra mandar bilhetinho pro namorado?'.  Era assim que a maioria pensava. O engraçado é que, durante muitos anos, recebi gente aqui na porta de casa que não sabia escrever e que vinha pedir para eu escrever as cartas que queriam mandar para os parentes. Escrevi muitas cartas para os moradores de Ubatuba". No ano 2000, a dona Dalva tinha 82 anos. O pesquisador grafou: "Dalva neves foi uma das primeiras professoras leigas de Ubatuba. Simpática, fala português correto, pausado e didático, como se estivesse permanentemente na presença de alunos desacostumados ao idioma oficial. Nasceu no Centro, em 1918".

     Não é espetacular reforçar que o filme estava imitando a vida e que aqui, bem perto de nós, tínhamos a dona Dalva prestando ajuda igual, se alegrando por ter aprendido a ler e escrever?

    

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