Ilha do Tamanduá - arquivo JRS
Me dizia o Aristeu, nascido na Ilha do Tamanduá, que um mero muito grande morava por lá, na costeira, do lado de dentro, avistada da ponta da Figueira. Os caiçaras daquele tempo o conheciam e respeitavam. "Era criatura de mais de cem quilos, segundo o meu finado pai. Tratavam por Vovô". E eu acredito que era mesmo! Nunca soube que ele foi pescado; até hoje não sei. Se ainda viver, deve estar repleto de cracas. Meu avô Estevan se referia a ele com se fosse um respeitado ancião: "Nunca, nem de brincadeira, se escutou em causar transtorno ao velho mero do Tamanduá. Outro de quase igual tamanho vive debaixo da Pedra do Tolino, na praia da Raposa. Ninguém há de machucar eles. Quem fizer algum mal a eles, será castigado. A gente que mora ali por perto sempre lança por perto o que acreditam lhe servir de alimentação, lhe tem estima".
Peixes grandes e mansos eram considerados sagrados pelas gerações mais velhas de caiçaras. Outro exemplo são os peixes-luas. "Feliz daquele que já enxergou um peixe-lua", dizia o saudoso Mestre Sabá. "Ele traz paz para o resto da vida".
Quantos mistérios guarde esse mar? Um tempo desse, contemplando a Ilha do Tamanduá, pensei no mero respeitado pelos pescadores caiçaras. Confesso que nunca vi alguém pescar mero de tamanho algum. De vez em quando me pego imaginando a toca onde esses animais habitam. Com passar do tempo, anos e anos, acho que vão aumentando de tanto se lixarem, se coçarem nas rochas. Será que é a mansidão deles que cativou, desde tempos antigos, os pescadores?
Aristeu, dedilhando o cavaquinho, declamava:
O mero da Toca do Meio
De vez em quando suspira
E sai um cheiro de limo
Que tudo de cima aspira.
"É arroto do Vovô"
Todo mundo repetia
Se sentavam por ali
Em pedra ou toco que havia.
E quando passeia, então?
Marolas no mar rebrilham
As gaivotas grasnam alegres
Em seu rumo peixes miúdos trilham.
E vou fechando dizendo
Aquilo que toda gente sabia
Que é um peixe sagrado
Cantado até na Folia.
Sagrado seja esse peixe
Sagrado seja este chão
Sagrada seja a viola
E os versos do Pedro Brandão.
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