quinta-feira, 24 de junho de 2021

ERA UMA ILHA DE PAZ

Tranquilidade agora (Arquivo JRS)

 

     Olho para cima, de onde vem a barulhada. Eram baitacas conversando. Algumas ainda traziam alguns frutos dos arredores para comer ali, empoleiradas, na paz da ilha. Quem diria que, em 1952, no dia 20 de junho, acorrera ali uma grande revolta? 

     Estou me referindo à Ilha Anchieta, em Ubatuba. Lá se vão 69 anos do motim. O descaso pela ilha-presídio resultou nos dias de horror naquele tempo distante. Poucos dias antes da revolta, o professor de Direito Soares Mello visitou o estabelecimento e ficou impressionado pelo que viu: a segurança e as instalações abaixo do mínimo exigido, o que tornava a prisão um verdadeiro barril de pólvora prestes a explodir. A Colônia Penal do Porto das Palmas abrigava 451 detentos. O saldo, escreveram depois, foi de 28 mortos, seis desaparecidos e 24 feridos. Porém, suspeita-se que o número de vítimas fatais tenha sido maior. Meu finado pai falava de prisioneiros vitimados por cações bravos ao tentarem nadar na travessia do Boqueirão. Em maio de 1957, o presídio foi extinto. Os últimos presos foram removidos para Taubaté.

A captura de Pereira Lima (Arquivo Já)


      A liderança do motim coube a Pereira Lima.  Numa revista gentilmente cedida por um amigo achei a seguinte informação:

     João Pereira Lima nasceu em 3 de fevereiro de 1919, em Serra Negra, no interior paulista. Em 1938, alistou-se como voluntário na Força Pública do Estado. Seu primeiro crime foi cometido no ano seguinte, quando tentou matar Júlio Machado Mota, o que lhe rendeu 11 anos de prisão. Dois dias depois dessa tentativa, ele assassinou, num prostíbulo, o sargento Teodomiro Freitas Santos. Depois de outros transtornos e prisões,em maio de 1946 ele é posto em liberdade. Incorrigível, voltou à Casa de Detenção por assaltar um motorista de táxi. Já preso, conseguiu uma arma e, de sua cela, atirou contra o tenente Alfredo Marchetti e outros funcionários do presídio. Foi quando foi removido para a Ilha Anchieta, onde comandaria o grande motim em 1952.

    O julgamento pela rebelião na ilha aconteceu em 4 de julho de 1960. Pereira Lima foi acusado de três homicídios, de chefiar o motim e de promover  fugas de presos mediante violências contra pessoas. Foi condenado a seis anos e um mês de prisão. Recorreu da sentença e se deu mal. No outro julgamento, recebeu 30 anos de prisão. Foi transferido para o Instituto Penal de São José do Rio Preto. Quando tudo levava a crer que realmente tinha mudado, ele foi acusado de assassinato do diretor daquele presídio. Novamente condenado e cumprindo pena, conseguiu a unificação das penas e foi libertado depois de cumprir parte delas. (Revista Já - Diário Popular - 9/3/1997).   Em 1997, seu paradeiro era ignorado. Se vivo, estaria hoje com 102 anos. Um traço de seu caráter passou para a história quando alguns prisioneiros quiseram se aproveitar de mulheres durante a rebelião: "Quem puser as mãos em uma delas morre! Não somos um bando de tarados. Queremos só a liberdade".

      Resumindo: aquele espaço bonito só foi bonito ao meu povo até 1908, data em que os ilhéus caiçaras foram retirados dali pelo governador Jorge Tibiriçá. Depois do presídio veio a área de preservação ambiental onde bem poucos podem desfrutar daquele espaço. Após a privatização, menos ainda poderão frequentar a Ilha Anchieta.  Os pobres dali, de outros tempos, morreram nas boas lembranças e saudades. 

      Escrevi este partindo das lembranças das baitacas em algazarra, um dia, na ilha. Neste momento, em dia alegre de São João, as tiribas festejam, dependuradas no açaizeiro do meu quintal.

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