domingo, 27 de junho de 2021

MOMENTOS DE CAUSOS

 

Tais vendo aquela pedra? (Arquivo JRS)

       Bem cedo me deparo com a mensagem da amiga Péola a respeito de um momento de contação de causos. Eu adoro escutar a nossa gente nas impressionantes narrativas. Recomendei a ela que convidasse  também mulheres para o evento. Minhas avós adoravam contar causos e são responsáveis direto por essa tendência em meu ser.  Em momentos desses a gente se encontra com seres estranhos, acontecimentos bonitos, feios ou misteriosos, encantamentos, maldições, assombrações que têm preferência por determinados lugares, gente que é castigada por não obedecer preceitos religiosos, vinganças em locais tenebrosos, animais encantados, tristes sinas, particularidades familiares etc.

      "Creio que todos os causos passeiam entre a fronteira da fantasia e da realidade", afirmou alguém. Acho que é mesmo. No caso caiçara, mesmo naqueles poucos que não acreditam nas histórias, nos causos que escutam, se percebe o valor que dão à memória, à tradição oral; não perdem ocasião de preencherem seus momentos com agradáveis causos. 

      Causo é um gênero discursivo, tal como o mito, o conto popular, a lenda etc. No litoral norte paulista e por este mundo afora, persiste a a cultura da contação de causos. Prova disso é que estamos aqui hoje para compartilhar nossos causos.

      "O valor de uma história", já li em algum lugar, "não se mede pelo grau de realidade que ela contém, e sim pelo alimento que ela pode fornecer à imaginação e pelo bem que pode fazer à alma". Quando passo naquela praia, logo olho a pedra e me recordo do Velho Virgílio: "Tais vendo aquela pedra? É de onde saía o boitatá na época de lua nova. A coisa vinha até o lagamar e fazia a gente correr pra casa".

     Em sua tese de mestrado (Entre causos e contos: gênero discursivos da tradição oral numa perspectiva transversal para trabalhar a oralidade, a escrita e a construção da subjetividade na interface entre a escola e a cultura popular - Unitau 2007), a minha esposa (Gláucia Aparecida Batista) diz que "os resultados desta investigação apontam para a relevância da realização de atividades orais significativas para os alunos, não simplesmente como complemento de outras atividades de linguagem (leitura e escrita), mas como uma forma de exercício de si mesmos na relação social, ampliando o enfoque para além do desenvolvimento de competências, para a construção de sentidos às atividades realizadas na escola, de modo que possam ser transpostos para a vida cotidiana desses alunos [...] Considero que a competência oral não é inferior em importância à escrita e, por isso, deve ser continuamente trabalhada na escola ao lado das demais, constituindo-se não só num instrumento de expressão e de comunicação, mas também numa condição de potencialização do pensamento".

      Assim João de Souza iniciou a narrativa: "Seo Antônio contava que viu lobisomem, disse que o rosto continuava o da pessoa [...] aí ele foi pescar na sexta-feira, o seo Antônio com o amigo dele no Tenório. Aí ele foi buscar o remo, a canoa tava no rolo, meia-noite, a lua... Daqui a pouco ele escutou aquele uivo, né? Aí ele parou assim e viu o amigo dele, o corpo crescendo os pelos tudo, só o rosto dele...". 

       Que venham os causos!

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