Os carros trouxeram o turismo para as novas gerações (Arquivo Edson Silva) |
Eu sou de uma geração da segunda metade do século XX, que estava na transição do sistema roça-pesca para o turismo. Conforme dizia a tia Astrogilda, do tempo em que "a gente só olhava um para o outro, esticava o pescoço e já achava que tava namorando"; do tempo em que, nas noites de lua cheia, a gente saía para apreciar na praia aquele brilho e aquela beleza de noite todinha iluminada que só se contempla do lagamar. Do tempo em que, nos lares, as lamparinas em claridade tremeluzente conduziam nossas imaginações fantasiosas ou medrosas; do tempo em que cada falecido era velado em sua própria moradia, entre prosas e rezas regadas com café e cachaça, seguindo, ao amanhecer, em cortejo até o local da última despedida dos parentes caiçaras; do tempo em que até os sinos nas capelas anunciavam a tristeza das perdas, de gente a menos a vencer os caminhos na busca de sustento e de alegrias. Importante dizer que não havia pressa porque o tempo tinha outra marcação, estava em outro calendário (sol, chuva, festas, cardumes, plantio, colheita...).
Na transição da minha geração ainda havia a fartura das nossas roças, das imensas matas, do límpido mar, das praias e costeiras oferecendo o de comer entre as marés. Quem morava na cidade e nos bairros que viravam loteamentos precisava comprar de quem vivia na roça. A minha infância transcorreu testemunhando as farinhadas e as caminhadas com cheirosas cargas indo abastecer esse pessoal carente. Aquelas imagens dos mais velhos carregando sacos brancos de farinha de mandioca permanecem em minha memória. É essa memória que cultivo endereçada a quem chegou depois, mas rega e zela a curiosidade, a vontade de saber da nossa história; gente que acredita na importância da memória coletiva para se viver melhor.
Enquanto isso, no terreiro, até quase agora o luar se esparramava. Ah! Já tem passarinho piando!
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