O Sol (Arquivo JRS) |
Chico Cruz era irmão do Antônio
Julião e da Chica, gente nativa da praia da Santa Rita. Rita Maria da Cruz,
natural da praia das Toninhas, irmã do Argemiro, foi casada com Chico Cruz,
funcionário do presídio da Ilha Anchieta, onde passaram os piores momentos em
1952, por ocasião do levante. Argemiro terminou seus dias casado com a Chica, no Perequê-mirim. Nilséa e Nilson amavam seus pais (Argemiro e Chica, que tanta estima tinham por mim). Segundo
os depoimentos deles e de tantos outros, junto com a Revolução de 32 e a Guerra
dos Tamoios, foram os únicos momentos
sangrentos da nossa terra. “Ninguém dormia sossegado de tanto medo”.
Dona Rita disse um dia que, “quando estourou a revolta dos presos, na parte da
manhã, as minhas duas filhas mais velhas estavam na escola, ao lado do presídio”.
Rita Maria da Cruz tinha 80
anos. Acho que era o ano de 2003 quando, bem próximo ao portão da casa dela, debaixo
de uma pequena sombra de um pé de lichia, no centro da cidade, a viúva me
concedeu um dedo de prosa. Não me demorei muito para não cansá-la demais. Mas
valeu a pena! O comentário que faço questão de transcrever hoje é a respeito do
turismo na nossa cidade.
“No meu tempo de menina a gente
vivia isolada. Só as canoas se teciam por esse mar de Deus. As grandes canoas [de voga] faziam as viagens
mais longas. Só depois começaram a vir os barcos de Santos. Levavam e traziam
de tudo. Acho que era uma vez por mês que eles apareciam. Ainda não tinha
estrada de carro por aqui. A gente, que morava nas Toninhas, saía logo depois
da grande cantoria dos galos [por volta das três horas] na madrugada para vir
estudar na cidade, na escola Doutor Esteves da Silva. Só quando era quase serão
a gente chegava de volta lá em casa. Todo mundo andava pelos jundus e praias;
sempre tinha alguém indo ou vindo pelo trajeto”.
Pois é. É notório que a cidade de Ubatuba vivia praticamente isolada do resto do mundo. A estrada para Taubaté é do começo da década de 1930. A ligação rodoviária para Caraguatatuba se completou em 1957. Justo Arouca escreveu a respeito dela:
“A picareta que em 1948, rompeu o chão para robustecer aquele fio de sonho, abriu a marcha incessante em busca das lendárias praias de Iperoig, 54 quilômetros depois [...] Fatigado de desilusões e de tanto esperar, o novo dia chegou, finalmente. Chegou ao Acaraú, sem pedra fundamental, sem foguetório, sem discurso, sem feriado escolar. Era o ano da graça de 1957, setembro [...] O sonho, agora, passa para a realidade. A nova estrada rompe o silêncio de mais de meio século, abrindo as portas da cidade para um novo tempo de reconstrução”.
Vinte anos
depois, em 1977, a última via de acesso (BR-101) nos liga, ao norte, à cidade de Paraty. O turismo é a principal atividade econômica. O Sol é para todos. O desafio maior hoje é saber amar toda essa natureza exuberante que temos, vencer a poluição que avança sobre tudo e derrubar as barreiras do ódio que tenta prevalecer sobre todos.
Como eu gostaria de ter chances de outras tantas boas prosas!
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